icon-plus
Postado em 29/10/2013 - 4:09
A internacionalização da arte brasileira
Juliana Cunha Lima

Entrevista com Tanya Barson, curadora da Tate Modern, Londres

Schendell Disco

Legenda: Sem Título (Disco), de 1972, obra de Mira Schendel em exibição na Tate Modern (foto: Mira Schendel – cortesia American Fund for Tate Gallery 2007, Mira Schendel estate)

English version

A arte contemporânea brasileira e a sua particular constelação são reveladoras de um movimento de projeção internacional sem precedentes. A visibilidade da produção artística do País cresceu muito e se reflete mundo afora em eventos de grande, médio e pequeno porte. Exemplos hoje não faltam. Vão desde exposições individuais organizadas pelo Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) e pela Tate Modern de Londres, duas das maiores instâncias de consagração da arte contemporânea do mundo. Leia a seguir a entrevista com Tanya Barson, curadora da Tate Modern.

Nos últimos anos, o Brasil começou a se destacar no cenário artístico internacional, adquirindo prestígio. Hoje podemos dizer que o país se tornou um importante centro artístico. A visibilidade de nossa produção aumentou. Iniciativas tomadas pela Tate Modern, como formar uma coleção com mais de 20 artistas brasileiros e a exposição de Mira Schendel em outubro, denotam a posição de prestígio que o Brasil ocupa atualmente nesse campo. Na sua opinião, é possível definir um marco para essa projeção? Que particularidades da arte brasileira e seu sistema atraem o interesse de instituições renomadas como a Tate Modern?

Na verdade, temos obras de cerca de 30 artistas brasileiros na coleção da Tate. Elas foram adquiridas nos últimos dez a 15 anos. Nesse período, também exibimos artistas como Hélio Oiticica, Cildo Meireles e outros. Em termos da história recente da proeminência da arte brasileira no cenário internacional, pareceria lógico destacar a Bienal de São Paulo de 1998 como um divisor de águas, que aconteceu no momento em que a arte brasileira contemporânea se tornava mais amplamente reconhecida. Certamente, nos últimos dez anos houve uma mudança drástica no interesse, no conhecimento e na atenção dada à arte do Brasil. Hoje o país é realmente visto como um importante centro artístico — mas que também tem uma longa e complexa história ao longo do século 20 que precisa ser melhor conhecida. Esse é o contexto em que poderíamos situar Mira Schendel e a exposição que a Tate Modern apresenta em colaboração com a Pinacoteca de São Paulo.

A Tate Modern decidiu fazer uma exposição sobre Mira Schendel, uma artista suíça que se mudou para o Brasil, foi contemporânea do movimento neoconcretista e se tornou uma artista emblemática tanto no Brasil como na América Latina. Que razões justificam essa escolha?

A primeira coisa a dizer é que Schendel é uma artista notável, com um trabalho ao mesmo tempo complexo e sutil. Ele exibe uma sensibilidade aguda para os materiais e a forma. Ela conseguiu incorporar as mais avançadas ideias intelectuais e filosóficas de sua época em uma prática que também é extraordinária por ser tão extensa e prolífica que ainda não foi plenamente quantificada. Tanto no plano pessoal quanto como artista, ela atravessou diferentes contextos, de modo que hoje poderíamos, em retrospectiva, aplicar o termo “transnacional” a ela e a seu trabalho. Nessa obra podemos ver um novo paradigma sendo estabelecido, de modo que Schendel pode ser considerada uma figura fundamental da arte brasileira no final do século 20 (influenciando artistas que incluiriam José Resende, Fernanda Gomes, Rivane Neuenschwander e Maria Laet, entre outros), e ao mesmo tempo uma artista cuja obra dá uma contribuição única em nível mais amplo, pois ela criou obras que têm repercussão universal. Para a Tate Modern, Schendel é de profundo interesse por motivos diversos, que incluem, em primeiro lugar, a natureza extraordinária de seu trabalho; ela também se enquadra em nosso objetivo de mostrar mulheres artistas históricas, cuja obra ainda precisa ser vista em profundidade no plano internacional; ela se enquadra em outro objetivo, o de exibir obras de artistas do Brasil e de toda a América Latina de forma mais proeminente no programa; e se encaixa em nosso objetivo mais geral de mostrar como os artistas desafiam radicalmente a linguagem do modernismo.

A instituição realiza uma exposição solo de um artista jovem ainda não consagrado internacionalmente? Que credenciais um artista no processo de consagração deveria ter para conseguir uma individual em uma instituição como a Tate Modern?

Como museu, a Tate ainda tem de fazer opções muito cuidadosas sobre os artistas escolhidos que expõe, devido à capacidade limitada do programa, mas também porque, como museu, existe uma responsabilidade de mostrar artistas que atingiram um certo nível de desenvolvimento em suas carreiras e deixaram uma certa marca. Nunca podemos ser restritivos demais sobre esses termos, porque sempre variam, mas também é válido dizer que, embora tenhamos o objetivo de mostrar o trabalho de artistas emergentes (por exemplo, em nosso programa Project Space), também temos em mente o papel do museu como um lugar onde uma certa história é inscrita. Não devemos assumir o papel que pertence mais adequadamente a outros tipos de instituições, que se envolvem com os artistas em um ponto mais precoce de suas carreiras. Como forma de nos envolvermos mais na conversa, porém, começamos a trabalhar com diferentes tipos de instituições através do Project Space, mas nosso papel nesse programa de exposições tem muito a ver com aprender, conversar e colaborar.

Na sua opinião, os países onde há um mercado de arte mais aquecido são necessariamente aqueles que legitimam os artistas e sua obra? Existe uma conexão direta entre mercado e prestígio? Ou a fama do artista é alcançada independentemente das expectativas do mercado? Que elementos objetivos e subjetivos podem explicar a aclamação de um artista contemporâneo?

Eu acho que há muitas maneiras como o mercado e o prestígio divergem. O mercado pode ser um guia que nos fala sobre certos desenvolvimentos no valor dado à produção artística, mas nunca pode ser a única medida do valor artístico. Muitos artistas trabalham além do âmbito do mercado e fazem contribuições e realizações extraordinárias. O sucesso comercial pode escapar dos artistas por muitos anos e ainda assim eles podem estar fazendo trabalhos que têm importância histórica. Se examinarmos Mira Schendel hoje, o mercado de sua obra está tão além de qualquer coisa que ocorreu durante sua vida (o que infelizmente não é uma história incomum), no entanto, ela fez uma obra que tem uma clara importância universal. Eu temeria fazer julgamentos com base somente no valor de mercado. Precisamos ter confiança (como curadores, escritores ou colecionadores) para ver o valor estético independentemente do valor monetário, ou às vezes apesar dele.

A construção de uma nação moderna e a busca de uma identidade nacional são temas centrais na história social brasileira. No campo artístico, essas questões foram manifestadas por meio de nosso movimento modernista, que ocorreu no Brasil somente 20 anos depois que a Europa questionou e desconstruiu a estética de sua arte consagrada. Esse atraso estabeleceu uma tensão nas artes brasileiras, que se faz presente ainda hoje: o dilema entre o local (nacionalismo) e o cosmopolita, que levanta as seguintes perguntas. É necessário incorporar a experiência estrangeira para buscar a autonomia de uma cultura nacional? A personalidade e a força de uma cultura nacional são possíveis com a ajuda de elementos estrangeiros?

Não tenho certeza se o local e o cosmopolita são coisas diferentes. Tanto no Brasil como na Grã-Bretanha, somos afortunados por ter condições de diversidade social ou pluriculturalismo que contribuíram muito para os movimentos artísticos dos dois países. Eu evitaria a obsessão modernista pela nacionalidade e pensaria mais em comunidades e conversas. Os artistas sempre encontraram maneiras de ter diálogos que vão além das fronteiras nacionais — seja por contato real ou por representação, por viagens ou através da mídia impressa, ou mesmo circuitos de circulação como o correio ou a internet. Se examinarmos, veremos que o global ou transnacional não é um fenômeno tão recente, afinal. O que me interessa é que, a partir dos anos 1920, houve um intercâmbio transatlântico entre a Europa e o Brasil que nunca foi uma conversa de mão única — Schendel fez uma contribuição nesse sentido para uma história da arte experimental em Londres –, e é a complexidade desse diálogo que enriquece as histórias que tentamos contar.

O núcleo desse debate está atualmente presente e reformulado, quando falamos sobre a internacionalização da arte brasileira. A arte contemporânea do Brasil é definida como “brasileira” ou “internacional”? Você vê na produção brasileira uma identidade nacional? Reconhece-a como uma expressão universal? Por quê?

É claro que há aspectos da arte brasileira que se relacionam a uma história que ocorreu no país e que têm a ver com saltos radicais realizados por grupos de artistas que dialogavam entre si, e às vezes também com (círculos de) críticos e curadores. Como já indiquei, acho que os artistas brasileiros têm algumas contribuições únicas a oferecer a um público mais amplo. Para mim, parece menos necessário enumerar o que é e o que não é brasileiro em sua obra (identificar uma espécie de “brasilidade” essencial, o que parece de certa forma tão difícil e vago quanto dizer o que poderia ser a “britanicidade”), do que ver os novos desenvolvimentos alcançados e como isso se acrescenta às linguagens do modernismo e da arte contemporânea como as vemos hoje. Se pensarmos em artistas brasileiros como Mira Schendel ou Hélio Oiticica, eles se preocupam profundamente com a experiência humana, e é isso que dá a suas obras uma importância universal.