Meu pai, David Ottoni, arquiteto paulista e discípulo de Vilanova Artigas, projetou nos anos 1970 uma casa de concreto armado aparente e vidro para a sua família, com dormitórios muito pequenos, camas-estante e uma grande sala envidraçada com vista para um vale ainda pouco construído e muito arborizado. Eu vivi nessa casa por 17 anos, reclamando do tamanho do meu quarto e do frio que sentíamos no inverno, mas usufruindo da belíssima vista daquela sala ensolarada, e orgulhosa de viver em um lugar tão particular, no fim das contas.
A casa está vazia há cinco anos, desde a morte de meus pais, e, infelizmente, o sentido do projeto perdeu-se com o crescimento do entorno. O lote estreito não suportou a verticalização dos vizinhos. A casa ficou muito escura, sem sol e sem vista, desconfortável para os padrões contemporâneos. A infraestrutura está irreversivelmente destruída. Desde 2012 venho fotografando o seu processo de deterioração. A partir de 2014, o ensaio tornou-se pesquisa de mestrado e foi estendido a outros prédios do brutalismo paulista, dialogando com a própria imagética das ruínas e investigando seu papel simbólico no contexto brasileiro, que tanto preza o seu modernismo.
A imagem da ruína brutalista não tem o glamour das ruínas pré-modernas que frequentam o nosso imaginário, como as fantasmagóricas gravuras de Luigi Piranesi ou as dramáticas telas de Willian Turner. O concreto não descasca, escurece; o vidro temperado fica apenas sujo e, quando quebra, some. A ferrugem reside no interior do concreto, invisível. Sua única identificação com a ruína romântica é a retomada descontrolada da natureza, da vegetação que vai invadindo frestas e juntas de dilatação e ajardinando lajes de cobertura. A forma de conservar ou restaurar esses prédios mostra-se complexa e polêmica, se não contraditória à sua proposta original, o espírito da época modernista. Devemos tombá-los? Como restaurá-los?
As imagens deste ensaio certamente carregam uma nostalgia pessoal, a saudade da convivência com meu pai dentro da casa de concreto, da vida de jovem estudante na FAU-USP, da extrema convicção no sucesso do projeto modernista da qual eu era cercada. Mas o sentimento nostálgico não é exclusividade minha, ao contrário, é lugar-comum no pensamento contemporâneo. A retomada do gosto pela ruína acompanha a obsessão memorialística que resgata arquivos, ressignifica resíduos e revê a história. A imagem das ruínas modernistas, por sua vez, carrega a saudade do futuro prometido pelo projeto moderno.
*Ensaio visual publicado originalmente na #select23