É sabido que a arte pop surge com as colagens de Richard Hamilton, Rauschenberg e Jasper Johns. Mas muito antes, a colagem e a apropriação já eram intenções pop. A cultura de massa só surgiria nos anos 1950, mas a incorporação de signos culturais e de objetos comuns ao trabalho artístico começou com o ready-made de Duchamp, a colagem cubista e a assemblage surrealista.
Cem anos depois da Fonte (1917) de Duchamp, a colagem e a apropriação continuam sendo os dispositivos mais eficientes de rompimento das distinções entre alta e baixa cultura. Na Frieze 2016, que abriu nesta quarta-feira 4 para convidados e acontece em Nova York até domingo 8, estes recursos estão na base da realização de um conjunto considerável de obras de alta qualidade, dignos de nota.
A instalação 120 Cords, de Jac Leirner, composta por uma coleção de fragmentos de cordões em plástico, nylon e tecidos, protagoniza o stand da londrina White Cube. A mesma galeria traz ainda a citação de Christian Marclay ao papa pop Roy Lichtenstein (Actions: Skrooom Whao Spash – Nº 1).
A seção Spotlight, curada pela californiana Clara Kim, atual curadora de Ásia, África e Oriente Médio na Tate Modern, dedicada a apresentações solo de artistas do século 20 (sob uma luz contemporânea), traz a colagem do mexicano Felipe Ehrenberg (pela Galeria Baró), a quem atribui-se ter plantado as sementes da arte contemporânea no México; e o francês Robert Filliou (pela galeria londrina Ricard Saltoun), altamente conceitual e experimental, mas indisfarçavelmente pop e duchampiano em suas referências aos HQs e ao citar a Monalisa.
Também na seção Spotlight, estão muito bem representados os brasileiros Abraham Palatnik, com obras cinéticas trazidas por Nara Roesler, e a escultura de Sergio Camargo, a cargo de Raquel Arnaud.
Na galeria nova-iorquina David Zwirner, o destaque é Isa Genzken, a mais influente artista alemã de sua geração. Em retrospectiva no MoMA-NY, em 2014, seu trabalho dos últimos dez anos foi definido por uma nova linguagem de collage e objetos encontrados, que redefiniu a assemblage para uma nova era”.
A Gagosian montou um stand solo do mais polêmico dos pops contemporâneos, Damien Hirst, agora com uma ovelha negra embalsamada, entre uma dezena de obras de séries diversas.
O barulho da rua invade o stand da galeria Vermelho na obra Black Bloc de Dora Longo Bahia, composta por 12 impressões sobre cimento e silhuetas de garrafas de vinagre, que nas manifestações é usado para neutralizar os efeitos do gás lacrimogêneo.
A metalinguagem e a apropriação e citação de obras de outros artistas são recursos utilizados pelo norte-americano Otto Berchem (representado pela galeria colombiana Instituto de Visión), que cita o artista francês Daniel Buren; e pela mais nova série de trabalhos do brasileiro Vik Muniz, apresentados pela galeria nova-iorquina Sikkema jenkins & Co. As cinco fotografias da série que interpreta as telas que Monet pintou da catedral de Rouen Cathedral são compostas por recortes de imagens e ícones que vão da história da arte arcaica até a cultura de massa e a arte contemporânea.
No campo das revisões e reedições históricas, são impagáveis os duplos cachimbos do Opavivará, que compõem com a instalação de José Bento (A Gentil Carioca), uma ode a Duchamp; e a assemblage do coreano Park Hyunki, feita com uma tv, pedras e aço, inevitável evocação das meditações de Nam June Paik.
Outras pesquisas de cut and paste história e cultura são as telas do artista paulista Paulo Nimer Pjota, em destaque nos stands da londrina Maureen Paley e da paulistana Mendes Wood DM; e as esculturas do colombiano Carlos Motta, na Mor Charpentier, que reelaboram deusas hermafroditas da antiguidade.
O deslocamento do objeto utilitário, seja de seu contexto, ou de sua escala natural, são procedimentos reconhecíveis e reinterpretados por artistas como Los Carpinteros, que apresentam grandes esculturas em ferro, no stand da Fortes Vilaça, a argentina Mika Rottenberg (com um olho mágico no formato de lábios carnudos) e a dupla Peter Fischli/ David Weiss (Matthew Mark Gallery), que abre individual no Guggenheim Museum esta semana.
A tipografia e a chamada de impacto, recursos da boa e velha imprensa, são apropriadas por John Giorno, Lawrence Weiner (Alfonso Artiaco), e até mesmo William Kentridge, que na impactante parece de Drawings for ‘Lulu’ (Marian Goodman Gallery), pinta sobre jornal.
As referências ao campo da chamada “arte popular” brasileira aparecem nas duas pinturas sobre madeira de Celso Renato, da Mendes Wood DM, em João Modé, de A Gentil Carioca, e em Felipe Mujica, da Casa Triângulo.
Um dos hits da mostra Frieze NY 2016 é o projeto de Maurizio Cattelan elaborado especialmente a convite da curadora Cecilia Alemani. O trabalho presta um tributo a Daniel Newburg Galler, um espaço experimental pioneiro que existiu em Tribecca entre 1984-1994. Cattelan aqui cita a si mesmo, reeditando a instalação Enter at Your Own Risk (…), montada por primeira vez em 1994, na última mostra apresentada na galeria. Inevitável que a presença de um jumento vivo em um stand de uma feira de arte se torne um evento de grande apelo pop. Fila garantida durante cinco dias.