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Still do vídeo Inzilo (2013), de Mohau Modisakeng, artista que está na representação sulafricana da mostra (Foto: Cortesia Biennale di Venezia)
Postado em 04/06/2015 - 7:46
Busca-se frescor
Com curadoria de Okwui Enwezor, a 56a Bienal de Veneza é uma versão esmaecida de uma das melhores Documentas de Kassel, orquestrada pelo mesmo curador
Cristiana Tejo

Impossível chegar à 56a Bienal de Veneza sem ter em mente os milhares de pessoas que têm cruzado ou tentado cruzar o Mediterrâneo em direção à Itália, vindas do mesmo continente de origem do curador Okwui Enwezor, agente que contribuiu para os olhos do mundo da arte se voltarem para a África. Se, por um lado, é importante destacar e celebrar a maior presença de artistas africanos (14%) e a participação do primeiro curador negro na mais antiga e tradicional bienal de arte do mundo (tendo em vista a ainda baixa participação de profissionais não europeus nas mais prestigiadas instituições de arte contemporânea), por outro, há que se perceber a expansão do interesse do mercado de arte em áreas geográficas longe demais das capitais. A presença de artistas fora do eixo já virou obrigatória para os curadores de visão menos eurocêntrica, e isso pode ser notado em mostras nos últimos anos.

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Legenda: Estudo da artista norteamericana Kara Walker para sua versão da ópera Norma, projeto especial comissionado pela Biennale e pelo Teatro La Fenice

Entretanto, um olhar mais atento nos leva a observar que a grande maioria dos artistas oriundos de regiões não hegemônicas que estão agora circulando nas grandes mostras é representada por galerias de prestígio, situadas em larga medida justamente na Europa e nos EUA. Nada contra o mercado e o reconhecimento que artistas incríveis estão começando a receber, muito pelo contrário. A questão que se coloca é a centralidade que o mercado de arte está assumindo nas negociações simbólicas do nosso campo, tornando ainda mais crucial para a visibilidade de um artista a sua inclusão numa galeria que circule bastante.

É nesse contexto que encontramos uma bienal cheia de grandes nomes, com expografia elegante e discussões políticas importantes, mas calculadas na medida para não causar demasiadas polêmicas, uma versão muito esmaecida de uma das melhores Documentas de Kassel, orquestrada justamente pelo mesmo curador. Sente-se falta da vivacidade, do frescor, da potência e da imprevisibilidade que a Documenta 11 imprimiu.

Foi Okwui Enwezor que se tornou mais conservador ou foi o mundo da arte que ficou tão previsível? Durante os dias de preview corriam os boatos das negociatas de grandes galerias para garantir a presença de seus artistas diante da falta de orçamento da própria bienal para bancar projetos, o que favorece a presença de artistas, mesmo jovens, representados por galerias mais robustas.

A entrevista do diretor do Whitney Museum publicada pelo site Hyperallergic também ecoava pelas ruelas de Veneza. Ao falar sobre a nova sede do museu, Adam D. Weinberg afirmou que, além de mostrar arte dos EUA, eles desejam destacar “o trabalho dos galeristas americanos que são os verdadeiros artistas”. Depois do curador como artista, estaríamos entrando na era dos galeristas como curadores/artistas? Quais consequências esse câmbio trará para o campo da arte nos próximos anos? Parece que o poeta português Herberto Helder estava certo: “O mundo não está para futuros”.