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Postado em 31/08/2015 - 3:59
Casa-grande
Gustavo Fioratti

Em novo trabalho, a cineasta Anna Muylaert constrói um discurso em que as relações sociais se veem refletidas na arquitetura

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Legenda: Regina Casé em cena como Val, doméstica que entra em conflito com seus patrões quando a filha vem a São Paulo prestar vestibular (Foto: Divulgação).

Sem rodeios, Que Horas Ela Volta? é um filme que se dedica a olhar a história recente do Brasil e a cantar uma vitória política. O longa com direção de Anna Muylaert não ousa ultrapassar a fronteira estética do realismo social, mas propõe um novo ponto de vista, agora com diagnóstico mais otimista. No filme, Regina Casé interpreta Val, uma empregada doméstica que vive em um quarto nos fundos da casa de uma família rica de São Paulo. A boa relação com os patrões esconde resquícios de escravidão. Os conflitos são escamoteados pela expressão de benevolência dos ricos e também pela aceitação e pela repetição do discurso deles pela mulher pobre. O filme retratará uma quebra nesse cenário.

A mudança será provocada pela inesperada visita da filha da empregada, Jéssica (Camila Márdila), jovem nordestina que chega em São Paulo com a intenção de prestar vestibular. A presença da moça desestabiliza a relação entre os patrões e a empregada, partindo de uma cena em que a menina é subjugada ao anunciar que pretende ingressar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Há uma dose explícita de maniqueísmo na oposição que vai se formar entre a figura de Val, vítima da situação, e a dona da casa (Karine Teles), que não suporta a presença de Jéssica. Mas dois outros personagens, o pai e o filho, quebram essa delimitação, flexibilizando um possível julgamento da direção sobre os ricos.

Dentro da casa, a câmera de Muylaert se fixa em pontos que lhe permitem um olhar sorrateiro, privilegiando espaços aos quais a empregada e heroína da história tem acesso, lugares de passagem e de serviços. Muitas cenas ocupam um longo corredor da casa, por exemplo, de onde se vê a porta para cada quarto. Essa leitura do filme se volta para a consolidação do discurso de que as relações sociais se refletem também na arquitetura, em um sistema de expansão de forças de poder, tema de interesse evidente de Muylaert nesse novo trabalho.

Potente como espelhamento das transformações pelas quais o País passou na última década, o filme tem, enfim, inevitável associação com as bandeiras do lulismo, embora sem menções diretas. A dose de otimismo assume o risco da inocência, talvez. Mas o faz como uma vontade de estabelecer conquistas.