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Postado em 06/06/2014 - 6:57
Daniel Santiago
Mirtes Marins de Oliveira

Artista que teve sua primeira individual em 2012, no Recife, é atuante desde os anos 1970 e combina ironia com rigor para criar a arte como capital social e afetivo

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Legenda: Frames do vídeo de registro da performance O Velho Ernest Hemingway e o Mar do Recife (2012) (foto: Cortesia Galeria Jaqueline Martins)

O percurso de Daniel Santiago (1939) altera o sentido de uma noção estabelecida de herança artística calcada em uma linhagem reta e vertical, que implica a existência de pais fundadores e filhos seguidores. Passa-se, em Santiago, a uma horizontalidade que se efetiva em uma ação multidirecional, não hierárquica e anárquica das relações de influência. Sua obra demonstra a potência da vida coletiva, a multiplicação de um capital cultural, social e afetivo por meio de parcerias por afinidade com outros artistas e obras.

No vídeo, registro de performance, O Velho Ernest Hemingway e o Mar do Recife (2012), a figura do próprio artista adentra o mar caminhando, vestido com terno e gravata, até desaparecer. Como não recordar Bas Jan Ader (1942-1975), desaparecido durante performance na qual cruzaria o Atlântico em um pequeno veleiro? Se o passeio solitário e silencioso rumo ao mar engendra reflexões sobre a finitude da existência, o título do trabalho expande suas significações. A figura de Daniel Santiago emula imediatamente a de Hemingway, mas a personagem do conto também era denominada Santiago, o pescador marginalizado por seus pares em virtude de seus fracassos.

Entrar no mar, para o Santiago de Hemingway, foi demonstração de força, inútil em seu resultado material, porém comprovação de obstinada força mental. A elegância e a tranquilidade com que a personagem de Daniel Santiago ruma para o horizonte reelaboram outra forma de encarar a mesma viagem. A visão do mar maravilhoso e ameaçador é combinada com a fina ironia do título, que localiza a especificidade do mar de Santiago: o do Recife.

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Legenda: Detalhe do desenho De Que É Que Eu Tenho Medo? (1976), publicado em edição de arte postal organizada por Paulo Bruscky (foto: Cortesia Galeria Jaqueline Martins)

Suas experiências em vídeo incluem O Duelo (1979), no qual é ativada a metáfora da máquina fotográfica como arma, instaurando o embate entre perspectivas. Além do vídeo e da performance, Santiago produziu e produz em múltiplas mídias, explorando também inserções em meios de comunicação. Nessa última possibilidade, as ações de Poesia Classificada, em grande parte em parceria com Paulo Bruscky, causam estranhamento pelo ruído da informação poética em formato carregado de pragmatismo: os cadernos de classificados dos jornais. Em Eu Como Poesia (1977) à ambiguidade do título é adicionada a onomatopeia “nhoc, nhoc, nhoc, nhoc”, incitando imagens do universo dos quadrinhos no leitor/espectador. Essa atenção e essa relação de jogo com a língua estão presentes em Alfabeto no Plural (anos 1980), cartazes com exercícios linguísticos e suas camadas de significados.

Novamente, em O Brasil É o Meu Abismo (1982), a palavra é o motor fundamental, utilizando uma frase de poema de Jomard Muniz de Britto, Aquarelas do Brasil. A performance original consistia no próprio artista pendurado de cabeça para baixo, preso pelo tornozelo e segurando um cartaz com a frase-título. O rodopiar do corpo do artista exigia da audiência, para leitura da frase, a movimentação pelo espaço da galeria.

Também em diálogo com outras produções literárias é o Cartaz Poema de Augusto dos Anjos (2008), uma fotoperformance. No cartaz, Santiago transcreve o irônico poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, e explora sua semelhança física com fotografias do poeta: o retratado seria ele próprio ou o artista do século 19? Valeria aqui repetir o mantra presente em trabalho do artista, o que parece mentira é poesia.

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Legenda: Detalhe do cartaz da fotoperformance Augusto dos Anjos (2008) (foto: Cortesia Galeria Jaqueline Martins)

De Que É Que Eu Tenho Medo? (1976) é um desenho produzido imediatamente após o fechamento da II Exposição Internacional de Arte/Correio, organizada por ele e Bruscky, e da prisão de ambos. Educação da Mão e da Vista (1962-1967) reforça a permanência de um modus operandi que privilegia contatos, trocas e parcerias, já que é resultado de um curso realizado por correspondência para aprender a desenhar, no qual segue à risca instruções do professor.

Apenas em 2012 Santiago protagonizou sua primeira individual De Que É Que Eu Tenho Medo? – no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), com curadoria de Cristiana Tejo e Zanna Gilbert. Em 2015, a oportunidade de verificar sua obra, em São Paulo, será oferecida pela Galeria Jaqueline Martins.

* Portfólio publicado originalmente na edição #18