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Postado em 20/02/2013 - 2:53
De mulherzinha a mulherão
Nina Gazire

Novo feminismo usa arte, nudez, rock, redes sociais e até tricô para protestar

Femen

Legenda: O Coletivo Femen surgiu de grupos de discussão sobre desigualdades de gênero e usa a nudez como estratégia. (Foto: Gonzalo Fuentes / Reuters)

Dia 17 de agosto de 2012. Na Rússia, as três integrantes do coletivo punk feminista Pussy Riot são sentenciadas a dois anos de prisão. Na Ucrânia, a ativista do grupo feminista Femen, Inna Chevtchenko, de 21 anos, munida de uma motosserra, corta ao meio uma cruz em memória dos presos políticos da capital, Kiev, como forma de protesto contra a sentença das russas, companheiras de causa.

Reconstituindo: no dia 21 de fevereiro de 2012, Nadejda Tolokonikova, de 22 anos, Maria Alyokhina, de 24, e Yekaterina Samutsevich, de 30, invadiram uma igreja ortodoxa russa, vestidas com roupas coloridas e cabeças cobertas, cantando Oração Punk: Nossa Senhora, Afaste-nos de Vladimir Putin. Exigiam igualdade política para as mulheres, questionavam o mandato do presidente Vladimir Putin, acusado de fraudar as últimas eleições, e criticavam o patriarca da igreja ortodoxa, Cirilo I – favorável ao governo. A prisão veio depois de cinco dias e a sentença, seis meses depois.

A invasão da igreja pelas meninas do Pussy Riot evidenciou os métodos nada ortodoxos do novo feminismo. Para brigar pela participação das mulheres na sociedade russa, elas usam roupas espalhafatosas, escondem o rosto e são performáticas. Entre os locais de apresentação, já escolheram o telhado de uma prisão, o metrô de Moscou e a Praça Vermelha.

Já o coletivo Femen, que teve início em 2008, quando a jovem Anna Hutsol, de 28 anos, criou grupos de discussão sobre desigualdades de gênero, usa a estratégia da nudez. O grupo possui 300 membros e oito delas formam uma espécie de elite privilegiada pelos seus corpos esculturais, sendo as únicas que aparecem com os seios de fora durante os protestos.

Para a professora do bacharelado de Diversidade e Gênero da Universidade Federal da Bahia, Maíra Kubik Mano, o sucesso de grupos como o Femen e o Pussy Riot pode ser atribuído ao resgate de estratégias radicais que não são inéditas. “As pautas não são novas. O que mudou de um tempo para cá foi a maneira de se expressar e o modo como isso tem ganhado notoriedade. Passamos por um longo período que tinha como eixo principal o argumento de que ‘as mulheres já tinham conquistado o mercado de trabalho’ – o que é um discurso bastante conservador. Acho que esses movimentos mais recentes surgem dessa lacuna deixada”, diz.

Pussy

Legenda: Pussy Riot: para brigar pela participação das mulheres na sociedade russa, elas escondem o rosto e são performáticas (Foto: Associated Press)

Nem mesmo as táticas do Pussy Riot são coisa nova. As punks russas são fãs declaradas do Riot Grrrl, movimento feminista cuja principal área de atuação deu-se na infiltração no mundo masculino do rock-n’-roll, nos anos 1990.

Além de tocarem um som parecido, elas devem a tática do anonimato às artistas feministas do coletivo Guerrilla Girls, surgidas na década de 1980, as quais, vestidas como gorilas, protestavam em frente às instituições culturais de Nova York e de outras partes do mundo contra a hegemonia masculina no mundo da arte. O coletivo nunca revelou a identidade de seus membros.

Vadias e santas

O mérito da nova geração do feminismo é a consciência global que as jovens ativistas trazem para suas reivindicações. Ajudados pelo gene da Geração Y, estes novos grupos usam as redes sociais como arma para se espalhar viralmente pelo planeta. Bastou o policial Michael Sanguinetti, durante uma palestra sobre segurança em uma universidade do Canadá, em abril de 2011, aconselhar as estudantes a “não se vestirem como vadias, para não se tornarem vítimas de criminosos”, para virar febre nas redes. O conselho motivou as canadenses Sonya Barnett e Heather Jarvis a criar um evento no Facebook que convocava mulheres ofendidas a participar de uma marcha, Slut Walk (Marcha das Vadias), em protesto contra a declaração.

Jarvis e Barnett esperavam 300 pessoas, confirmadas via Facebook. Apareceram mais de 3 mil mulheres, que marcharam do Queen’s Park, em Toronto, até o quartel-general da polícia. Além de trazer cartazes que enfatizavam que “a culpa do crime sexual não estava na roupa, e sim no criminoso”, várias mulheres se vestiram de maneira considerada vulgar, lançando mão de meias-arrastão, cintas-liga e salto alto.

A marcha espalhou-se pelo mundo e ganhou versões na América do Sul, Europa e Ásia. No Brasil, a passeata aconteceu em várias capitais e cidades do interior. “A Marcha das Vadias conseguiu tocar em um ponto sensível à questão feminista brasileira, que é a da propriedade do corpo. E, apesar de ser um movimento importado do Canadá, ele tem um reflexo de reverberação muito forte na sociedade brasileira. Faz sentido aqui, devido ao histórico que temos em relação ao nosso estereótipo de mulher”, explica Kubík Mano.

Outro grande trunfo que as novas manifestações feministas possuem é a mobilização em massa de mulheres jovens, algo que a causa feminista não atingia. A apropriação de estereótipos universais, a nudez e a sensualidade fazem com que esses movimentos se internacionalizem e, ao mesmo tempo, graças à internet, alcancem certa flexibilidade para se regionalizar.

Tricotar é coisa de mulher?

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Legenda: Free Pussy Riot Prostest Fence, em Wellington, Nova Zelândia(Foto: cortesia das artistas)

No dia em que a sentença das Pussy Riots foi proferida, um grupo de mulheres neozelandesas tricotava balaclavas e cercas de um terreno baldio na cidade de Wellington. O projeto, chamado Free Pussy Riot Protest Fence, foi liderado pelo grupo Wellington Craftivism Collective. O coletivo tem como característica o uso das artes aplicadas como forma de protesto contra a subvaloração das práticas artesanais associadas ao universo feminino.

A palavra craftivism, que em português foi traduzida para craftivismo, união das palavras craft (artesanato) e ativism (ativismo), é um movimento que vem ganhando adeptos, apesar de não chamar tanta atenção. Trata-se de uma prática que busca incentivar o aprendizado do bordado, do tricô, do crochê e do patchwork, dentre outros, como forma de questionamento ao consumismo, à tecnologia e aos problemas do meio ambiente.

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Legenda: Knitting is for Pussies, de Agata Olek (Foto: cortesia da artista)

Mulheres jovens vêm se interessando pelo movimento, como é o caso da inglesa Jazz Domino Holly, de 29 anos, filha do ex-líder da banda The Clash Joe Strummer. No ano passado, Holly lançou o livro Queen of Crafts, não publicado no Brasil. Nele, além de discutir a importância do artesanato como atividade econômica feminina, reforça os princípios da reciclagem e o reaproveitamento de materiais.

A artista polonesa Agata Olek, de 34 anos, já levou seu craftivismo para as ruas de diferentes cidades do mundo, inclusive no Brasil, onde esteve duas vezes. Postes, orelhões, carros e bicicletas envolvidos pelo crochê da artista dão vazão para um nova tática ativista que leva o passatempo associado a senhoras idosas e ociosas ao espaço urbano. Olek usa o crochê para tecer manifestos feministas e criar uma poética própria que nunca é feita em isolamento. Quando realizou sua última obra no Brasil, trabalhou com mulheres de uma comunidade carente para tricotar um enorme jacaré, que ficou exposto em um parque do Sesc-Interlagos.

“As artistas feministas mostraram que é possível fazer arte com o crochê e com o tricô. Para mim, eles tornaram-se um meio de expressão, assim como a pintura”, explica a artista, para quem fazer bordado, tricô e crochê não é “coisa para mulherzinhas”, mas, sim, atividade para mulherões revolucionários e orgulhosos.

Leia também:

Atitude Rock-n’-Roll – Entrevista com Jazz Domino Holly

*Publicado originalmente na edição impressa #9.