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Postado em 01/04/2012 - 1:03
Desobediência silenciosa
Juliana Monachesi (tradução)

Holland Cotter, crítico de arte do New York Times, interpreta a Trienal do New Museum
 

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Legenda: Obras de Slavs and Tatars, Dave McKenzie (no espaço, à frente), Julia Dault e Lynette Yiadom-Boakye (Foto: Benoit Pailley/cortesia New Museum)

A edição de estréia da Trienal do New Museum em 2009 se chamava Younger Than Jesus, indicando que a mostra era em grande medida a respeito de idade: Todos os participantes tinham menos de 33 anos. O título da Trienal 2012, The Ungovernables, muda a ênfase para a atitude. Os artistas não são apenas jovens, a ideia é, mas são também desobedientes, enfants terribles rebeldes.

Quão verdadeiro isso é ao se observar a arte deles releva-se altamente discutível, mas a exposição aparenta e faz sentir diferente de sua predecessora mal-humorada e estridente. Escrevendo no catálogo, a curadora, Eungie Joo, diretora de educação e programas públicos no New Museum, insere a trienal de 2012 no contexto de, entre outras coisas, o recente movimento Occupy. A referência está ficando velha agora, mas você pode ver seu motivo.

A exposição que ela e seu assistente, Ryan Inouye, montaram é cativante à maneira como um megafone humano é. Quase o tempo todo, é algo de gestos formais pequenos e leves, não-enfático em tom e socialmente engajado, ainda que de uma forma tranquila que acomoda cordialidade e inteligência.

Esta trienal também se distingue em seu alcance global: apenas 4 dos cerca de 50 artistas nasceram nos Estados Unidos. Desta forma, se não de outra, ela serve como contraste natural à predominantemente norte-americana Whitney Biennial. E declara seu internacionalismo logo de cara, na galeria do lobby, com obras de dois coletivos, um da África, o outro do Oriente Médio, e um único artista, Gabriel Sierra, de Bogotá, Colômbia.

A instalação do sr. Sierra é ultradiscreta: algumas incisões longas e profundas na parede, nas quais ele inseriu  ferramentas de empreiteiro – uma escada, um nível, uma mesa de desenho – de um tipo que ele, ou alguém, poderia ter usado ao fazer as incisões.

O coletivo do Oriente Médio, encabeçado por Ala Younis, da Jordânia, tem seis membros, e sua colaboração parece um tanto solta. Eles compartilham um tema, militarismo, mas usam meios diferentes (desenho, fotografia, filme) e abordagens muito diversas (aprovação, desaprovação, indefinição) para abordá-lo. Por constraste, Trans-African Photography Project, do Invisible Borders, é o verdadeiro ombro-a-ombro coletivo. É composto de artistas e escritores da Nigéria que, uma vez por ano nos últimos três anos, viajaram em vans a partir de Lagos para outras partes do continente. Embora eles tenham destinos fixos nestas viagens, especialmente eventos de arte no Senegal, em Mali e na Etiópia, seu verdadeiro objetivo é cruzar tantas fronteiras nacionais quantas possíveis e tornar-se, coletivamente e por consequência, pan-africanos.

Estas aventuras devem ser divertidas, mas eles tiveram seus momentos sérios, com avarias em carros, brigas nas fronteiras (o grupo recusa pagar os subornos comuns) e algumas prisões, tudo registrado em vídeo por dois dos artistas, Lucy Azubuike e Nana Oforiatta-Ayim.

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Legenda: Escultura de Danh Vo (Foto: Librado Romero/The New York Times)

O vídeo, junto com projeções de filmes, tem uma presença positiva e disciplinada nos quatro andares de galerias da exposição. Alguns artistas, como Jonathas de Andrade, do Brazil, tratam o meio expressivamente, como pintura. Em uma obra dele no segundo andar, 4.000 retratos masculinos preto-e-branco relampejam em um loop de 60 minutos, dando aos olhos o equivalente a uma chicotada.

Instalado ali perto, um filme chamado Jewel, de Hassan Khan, um artista britânico que vive no Cairo, soma um soco auditivo e visual. O foco está em dois performers masculinos, um em roupas de classe operária, o outro em traje de escritório, cada um representando aspectos da história social do Cairo. No decorrer do filme eles permanecem em pé encarando um ao outro, fazendo gestos furiosos com os braços suspensos no ar ao som de uma estrondosa batida Shaabi. A interação deles parece combativa, mas também erótica, como um pas de deux sensual.

E uma terceira obra em vídeo, da artista finlandesa Pilvi Takala, é um destaque da trienal. Ela o fez em 2008, ao conseguir um emprego em uma firma de contabilidade. Depois de algum treinamento ela assumiu a mesa designada a ela e permaneceu sentada lá por um mês, sem fazer qualquer trabalho, apenas olhando para o vazio, quebrando esta rotina apenas para pegar o elevador da empresa repetidamente para cima e para baixo.

Seus colegas de trabalho eram amigáveis a princípio, e curiosos, mas logo se tornavam desconfiados, e então hostis, conforme ficava claro que seu comportamento pouco convencional iria continuar e que ela não daria explicações. Como a sra.Takala conseguiu gravar tudo isso, eu não posso imaginar. Mas sua ocupação muda e enervante de um espaço corporativo é algo a ver.

Alinhada com tendências dos últimos três anos a exposição inclui uma quantia razoável de performances. O vídeo da sra. Takala se qualifica como tal. Assim como eventos que ocorrem em outro local. Nicolas Paris, da Colômbia, vai coordenar workshops de arte para estudantes do ensino médio. Um coletivo israelense, Public Movement, vai encenar debates temáticos pela cidade. Ainda um outro coletivo, House of Natural Fiber, da Indonésia, planeja demonstrações de tecnologia para produção de bebidas alcoólicas e música eletrônica simultaneamente.

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Legenda: Escultura de Adrián Villar Rojas exposta na Trienal 2012 (Foto: Divulgação (Foto: Benoit Pailley/cortesia New Museum)

Junto de toda a ação, a mostra tem uma abundância de objetos. A maioria tem uma espécie de desmazelo astuto que é popular nos dias atuais: casual, mas com intuito. Um trabalho de Adrián Villar Rojas no quinto andar, entretanto, é um verdadeiro protagonista. Intitulado A Person Loved Me e moldado a partir de argila cinza, ele se ergue do chão ao teto, como um fungo monstruoso eriçado por tumores em forma de clava.

O sr. Villar Rojas, que representou a Argentina na Bienal de Veneza do ano passado, construiu a obra no museu. E apesar de a ter terminado muito recentemente, ela já parece à caminho da decadência, que é precisamente o efeito que este jovem artista, fixado na magnitude da impermanência mundana, busca.

Impermanência, quer isso signifique cair aos pedaços ou não persistir, também é um tema recorrente para Danh Vo, que nasceu no Vietnã, vive em Berlim, e é uma das mais estimulantes figuras na cena internacional. As cinco esculturas de cobre que ele intitula We the People parecem abstrações genéricas. Mas elas são fragmentos de uma imensa figura, uma réplica em tamanho real da Estátua da Liberdade que ele fundiu, aos poucos, na China.

Será que um dia ele conseguirá reunir as partes já grandes em um todo grandioso? Será o povo americano algum dia um “nós” em vez de um “nós e eles”? A incerteza é um farol existencial que o sr. Vo, e muitos de seus pares, mantém alto em uma caçada por novas ideias e procedimentos.

Duas artistas de Nova York fazem bom uso dela. Uma é Abigail DeVille, que criou uma espécie de caverna de desabrigado a partir de lixo de rua e guardados de família em um nicho na escadaria do museu. A outra é Julia Dault, cujas esculturas, feitas de rolos de plexiglass amarrados com barbante e empilhados, parecem substanciais o suficiente, mas necessitam do apoio de uma parede do museu para ficar em pé. Operando segundo restrições auto-atribuídas, a sra. Dault criou casa escultura em uma única sessão, dobrando e amarrando ela mesma os materiais de difícil manejo. A forma final depende da força física de que ela é capaz de dispor em um determinado dia. O resultado: minimalismo contingente; Fluxus com músculo.

Sem surpresa, certos outros artistas – Rita Ponce de León, Mounira Al Sohl, Lynette Yiadom-Boakye, Lee Kit, Kemang Wa Lehulere – favorecem mídias mais convencionais, como desenho e pintura, enquanto outros ainda colocam as idéias antes de tudo. Talvez o papel da sra. Joo como educadora explique a inclusão de uma quantidade bastante elevada de arte que só se revela depois de o espectador ter feito algum trabalho de casa.

Você tem que saber o que é um diagrama de Venn (dois círculos que compartilham um ponto de intersecção), e ainda mais saber que tais diagramas foram banidos como subversivos por ditadores na Argentina na década de 1970, para apreender todo o significado de uma projeção bastante singela de Amalia Pica.

Mesmo sem esses detalhes a peça é familiar, porque tem tantos precedentes histórico-artísticos, próximos e distantes. Quase tudo aqui tem. Conforme você se move pelas das galerias, você se encontra escrevendo listas de parece-com em sua cabeça, o que nos traz de volta ao título da trienal.

Quão ingovernáveis podem ser artistas que, por assim dizer, frequentaram a mesma escola de arte global, estudaram com os mesmos professores-estrela, de quem aprenderam a lançar sua arte, embora obliquamente, para um mercado mundial? É bom ter em mente que, neste caso, a idade realmente é um fator. Esta é a vitrine de uma pessoa jovem. Se alguns, mesmo que poucos, destes artistas conseguirem descobrir, à medida que crescerem e mudarem, o que é realmente ser ingovernável, e o sejam, as gerações futuras vão ter com o New Museum uma dívida de gratidão.