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Postado em 30/03/2015 - 5:28
Divisor de águas
A nova edição da revista seLecT é toda dedicada à função que a arte e a arquitetura têm na construção de cidades mais sociáveis e habitáveis
Paula Alzugaray

Em 2012, quando não podíamos antever as crises hídrica e energética que assolam o Brasil, seLecT produziu a edição Código Água, que antecipava a conferência climática Rio+20 e investigava o alinhamento de artistas e agentes de diversos campos da cultura em relação ao meio ambiente. Naquele momento vislumbramos: a água lidera o ranking das vulnerabilidades do mundo. Talvez o maior signo da edição tenha sido a obra Elemento Desaparecendo/ Elemento Desaparecido (2002), de Cildo Meireles, composta de picolés de pura água, que foi apresentada na Documenta 11 de Kassel.

Aquela, sem dúvida, foi uma edição visionária. Quando os problemas que a capital paulista tinha em relação à água se restringiam às enchentes, o arquiteto Gabriel Kogan apontava, em ensaio publicado na seção Coluna Móvel, de que forma o projeto de São Paulo como metrópole fluvial fora sistematicamente negligenciado pelo poder público.

Nesta seLecT 23, dedicada à função que a arte e a arquitetura têm na construção de cidades mais sociáveis e habitáveis, as águas urbanas voltam à tona no projeto Metrópole Fluvial, do arquiteto e urbanista Alexandre Delijaicov, da FAU-USP. A reconfiguração de São Paulo a partir da valorização de seu sistema hídrico – tragicamente canalizado no subsolo e confinado entre avenidas, dentro de um sistema de esgotos – está descrita na reportagem Cidades Imaginárias, de Gustavo Fioratti. Esse projeto é uma “utopia concreta”, que deveria ser finalmente contemplada com seriedade pelos nossos governantes.

Gabriel Kogan volta a colaborar conosco com um texto sobre fotografia de arquitetura, dissertando sobre gerações de fotógrafos que vão de Chico Albuquerque a Pedro Kok, autor da imagem da capa. Já a fotógrafa Ana Ottoni mostra em primeira mão um recorte de sua pesquisa sobre a ruína da arquitetura brutalista paulista. O ensaio revela de que forma esse estilo em que o concreto é a matéria-prima por excelência acaba por expor sua fragilidade e incompatibilidade em relação à natureza tropical.

Da necessidade de integrar natureza e cidade vale destacar o depoimento da dupla de arquitetos da SUBDV Architecture, na seção Fogo Cruzado: “A arquitetura modernista está sendo redefinida, pelos neomodernistas e neofuturistas, para trazer de volta a natureza como um elemento atuante e não apenas como pano de fundo”.

No fim de 2015, quando o Brasil participar da 21ª Conferência do Clima, em Paris, seria bom que levasse na mala as ações públicas que alguns coletivos de artistas e arquitetos estão articulando à margem dos poderes públicos, a fim de resgatar a saúde da vida em comunidade. Para tal, recomendamos a reportagem Urbanismo Tático. Enquanto isso, na 56ª Bienal de Veneza, a partir de maio, os trabalhos de André Komatsu – no Portfólio desta edição – expõem as mazelas e fraturas de nossos problemas urbanos, sociais e políticos. As críticas ácidas ou as propostas construtivas apresentadas nesta seLecT podem não representar ainda um divisor de águas, mas já têm contribuição certa para a ecologia social de nossas cidades.

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