Era comum nas antigas tragédias gregas que os protagonistas se afundassem em conflitos muitas vezes irremediáveis. Assim, a solução só podia vir de cima. Por meio de um dispositivo similar a um guindaste, atores que interpretavam deuses do Olimpo desciam ao palco para deliberar sobre os acontecimentos e oferecer uma resolução final. Era o Deus surgindo da máquina, expressão que foi posteriormente incorporada ao latim e se tornou Deus Ex Machina, sentença que, em sentido figurado, representa uma resposta para problemas aparentemente insolúveis.
Este Deus volta novamente à terra. Desta vez não como entidade do Olimpo, e também não desce do céu, mas se apresenta nas séries fotográficas da exposição Arquivo Ex Machina, no Itaú Cultural. E parece não oferecer nenhuma resposta além de despertar nossa atenção para as veias ainda abertas da América Latina.
A mostra é dedicada à fotografia latino-americana, linguagem que se firmou como símbolo de resistência à dominação colonial. Mas não fala apenas de imagens. Seu recorte gira em torno da discussão sobre arquivos e documentações que artistas e fotógrafos mantiveram ao longo do tempo. A tentativa é questionar, a partir destas séries fotográficas, aquilo que definimos como documento e como isso pode adquirir novos formatos e ser reinventado.
Caminhos do debate anti-colonial
Constituindo a programação da mostra, o espaço abrigou o IV Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo, que teve início no dia 16/6 (quinta-feira) e se encerrou no último domingo, 19/6. Diversos pesquisadores espalhados pelo continente foram convidados para um ciclo de palestras, mesa-redonda, workshops, leituras de portfólio e entrevistas. Ali figuraram desde artistas brasileiros como Rosângela Rennó até o ex-ministro da cultura do Paraguai, o curador e crítico de arte Ticio Escobar.
No primeiro dia do evento, os rumos traçados pelo Fórum e pela exposição já pareciam muito claros: como pensar a fotografia para além de seu ato fotográfico? Esse questionamento está atrelado à percepção da fotografia latino-americana como ato antropológico e de raiz crítica, como posicionou Itala Schmelz, curadora, crítica de arte e diretora do Centro da Imagem do México. A pesquisadora compôs a primeira mesa junto a Ticio Escobar, mediada pelo artista paraguaio Fredi Casco, em um debate que se articulava a partir da relação entre fotografia e o pensamento filosófico, chegando até o sentido do arquivo e das imagens no mundo contemporâneo.
Tanto na fala de Schmelz como de Escobar, ficou claro que a fotografia no continente teve sua relevância documental, ao registrar levantes e revoluções, como também ao documentar comunidades até hoje esquecidas ou desprezadas. Mas não para por ai, já que a exposição também evidencia os caminhos tortuosos que a fotografia adquiriu como uso político, documentando os marginalizados pela sociedade, vistos como criminosos; ou também no caso dos presos políticos na época das ditaduras latino-americanas.
As mesas seguiram até o final do evento, não perdendo o tom crítico proposto pelo Fórum. Nelas foram discutidas temáticas como história, a documentação através das vanguardas europeias e a fotografia como forma de política. A exposição segue até 7 de agosto.