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Refugiados andando na praia. Campo de internação francês para exilados republicanos, Le Barcarès, França. Março de 1939. Fotografia de Robert Capa (Fotos: © International Center Of Photography / Magnum Collection International Center of Photography)
Postado em 25/07/2016 - 3:41
Entre trincheiras
Negativos da Guerra Civil Espanhola realizados por Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour "Chim" chegam a São Paulo
Ana Abril

Qual a história por trás da famosa fotografia de Robert Capa que mostra o exato momento em que um miliciano recebe um tiro? Quais fotos foram realizadas por Robert Capa e quais foram clicadas pela fotojornalista Gerda Taro? Será que o talento e a coragem da Taro foram ofuscados pela figura de Capa? Quem era David Seymour, mais conhecido como Chim? Essas e outras muitas perguntas são frequentes na história dos pioneiros do fotojornalismo de guerra. Provavelmente, nunca se conhecerá a verdade por trás das fotografias clicadas nas trincheiras, mas, graças a exposição A Valise Mexicana: a Redescoberta dos Negativos da Guerra Civil Espanhola de Capa, Taro e Chim, é possível saber mais sobre o click destes três personagens que revolucionaram o fotojornalismo.

A exposição mostra os negativos originais dos três fotojornalistas, tal e como as fotos foram tomadas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Assim, é possível observar a lógica fotográfica de Capa, Taro e Chim, ao analisar imagens com diferentes ângulos e posicionamentos. O objetivo dessas experimentações eram mais práticos do que artísticos: quanto mais variações fotográficas eles conseguissem, maiores seriam as opções de imagens para vender para os jornais e revistas da época. Ao mesmo tempo, observa-se a economia de clicks, consequência do alto preço do filme fotográfico.

É difícil determinar se é mais fascinante a história de Capa, Taro e Chim, que morreram em locais de conflito -Indochina, Espanha e a Guerra do Suez, respetivamente- ou a história do descobrimento de negativos dos três fotojornalistas, cujo paradeiro foi uma incógnita durante 70 anos. Como o nome indica,  a exposição A Valise Mexicana revela ao público os 4,5 mil negativos descobertos nos anos 90, após permanecerem esquecidos em uma valise no México.

O percurso desses negativos começou em Paris, após serem enviados por Capa desde a Espanha, e precisou passar por vários intermediários e lugares até serem expostos ao mundo. Ao chegarem em Paris, os fotogramas acabaram com o general Francisco Aguilar González, quem os levou até México. Apenas, em 2007, o cineasta Benjamin Tarver, herdeiro dos pertences do general, os entregou ao International Center of Photography (ICP), fundado por Cornell Capa, irmão de Robert, onde os fotogramas puderam ser analisados e revelados.

Em entrevista exclusiva à seLecT, Cynthia Young, curadora da Valise Mexicana e autora de um livro lançado em 2010 sobre a exposição, explica a relevância do descobrimento dos negativos, que além de serem um documento histórico importante da Guerra Civil Espanhola também trazem informações valiosas sobre a população e o território espanhol no começos dos anos 90. “As fotos foram usadas, não só por aqueles interessados na arte da imagem estática, mas também por antropólogos e biólogos”, afirma Young, que também é curadora do arquivo de Robert Capa do ICP. Young conta, em tom anedótico, que as fotografias “foram usadas para estudar a geografia espanhola e a evolução das árvores desde aquela época”.

Multidão na porta do necrotério, Valencia, Espanha. Maio de 1937. Fotografia de Gerda Taro.
Multidão na porta do necrotério, Valencia, Espanha. Maio de 1937. Fotografia de Gerda Taro

Situada no primeiro e segundo andar da Caixa Cultural São Paulo, no centro da cidade de São Paulo, a exposição está organizada em ordem cronológica e por autor. Dessa forma, o visitante é capaz de distinguir as diferentes formas de fotografar dos três repórteres fotográficos. “No estúdio dos negativos, foi especialmente importante determinar quais fotos eram Robert Capa e quais eram de Gerda Taro”, conta Young.

Na mostra, observa-se que muitas fotos são assinadas como Capa, marca criada por Robert e por Gerda, até a fotógrafa alemã começar a assinar como Taro. Identificar as imagens realizadas por Taro é fundamental para reconhecer o mérito e o talento da fotógrafa, eclipsada por quem foi seu companheiro sentimental e nas trincheiras, por sua beleza e pela dramática morte sofrida durante a Batalha de Brunete, um ano após começar a fotografar o conflito espanhol. Além disso, a exposição Valise é o único arquivo existente de Taro, o que multiplica o valor do achado.

Os estilos fotográficos de Chim, Capa e Taro diferem tanto em estilo como em temática. “Chim era um intelectual e tinha uma presença que dava sensação de confiança. Por isso, ele sempre fotografa figuras políticas ou personagens importantes, como o poeta Federico García Lorca”, explica Young. O poeta foi fuzilado durante a Guerra, acusado de ser espião dos russos e homossexual, e seu corpo encontra-se em alguma vala comum. Para a curadora, Chim preferia fotografar pessoas e suas imagens estão carregadas de tons políticos e emocionais.

Taro e Capa, por sua vez, preferiam entrar na batalha e fotografar o interior das trincheiras republicanas. “Taro preferia chegar mais perto do que Capa e inclusive mostrava a morte em primeira mão, como demonstram uma série de imagens realizadas dentro e fora de uma morgue em Valencia (Espanha)”, afirma Young. As fotografias impressionam tanto pelos corpos sem vida como pelas feições em desespero dos familiares que aguardavam na porta do necrotério. O trabalho de Taro destaca-se pelo espírito político que acompanhou a fotógrafa durante sua curta vida, o que também a ajudou a diferenciar seus clicks dos de Capa.

Nas fotografia de Capa, as imagens demonstram o início de duas ideias fundamentais de quem é considerado o maior fotojornalista de guerra da história: um característico e leve “fora de foco” e sua máxima  “fotografar desde dentro”.

Mulher fazendo inventário de pinturas na coleção do convento de Las Descalzas Reales com dois soldados republicanos , Madrid, outubro - novembro de 1936. Fotografia de Chim (David Seymour)
Mulher fazendo inventário de pinturas na coleção do convento de Las Descalzas Reales com dois soldados republicanos, Madrid, outubro – novembro de 1936. Fotografia de Chim (David Seymour)

Mulheres, crianças, anciãos, soldados e padres são fotografados em meio a ceias de guerra ou em atividades cotidianas. Talvez, uma das temáticas mais surpreendentes da exposição seja a persistência dos republicanos em conservar obras de arte. Várias imagens de Chim mostram as tropas esquerdistas tirando telas e esculturas do Monastério de las Descalzas Reales, situado em Madri. “As imagens mostram uma forte preocupação do bando republicano de proteger as obras de arte da possível destruição da guerra”, indica Young enquanto observa as imagens estáticas realizadas pelo polonês.

“O nascimento de equipamentos fotográficos mais baratos e menos pesados permitiu que pessoas como Capa, Taro e Chim pudessem fotografar os conflitos dentro do campo de batalha. Essa mostra de fotografias é o nascimento do fotojornalismo de guerra”, destaca.

Ao mesmo tempo em que a Valise Mexicana expõe o trabalho original dos três fotojornalistas, ao lado, encontram-se expostos os jornais e revistas que publicaram as imagens. “Na exposição, pode-se comparar a realidade das imagens com as releituras dadas pela imprensa”, conta Young. Exemplo disso é a fotografia realizada por Chim que retrata uma mulher amamentando seu bebê enquanto escuta um comício político na Espanha. A fotografia foi editada por uma revista, que colocou aviões no céu, simulando que a mulher estava observando bombardeios na Alemanha.

A Valise Mexicana, em exposição até 2/10, não é só um arquivo histórico sobre o início do fotojornalismo, mas é, também, uma demonstração do pensamento fotográfico dos maiores fotojornalistas da história.

Serviço
A Valise Mexicana: a redescoberta dos negativos da Guerra Civil Espanhola de Capa, Taro e Chim
Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111 – Centro, São Paulo
Até 2/10
De terça-feira a domingo, das 9h às 19h
Tel.: (11) 3321 4400