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Postado em 01/02/2013 - 8:19
Fogo da China
Nina Gazire

Conhecido por realizar desenhos com pólvora inflamável, Cao Guo-Quiang inaugura sua primeira individual no Brasil. Confira a entrevista que o artista concedeu a revista seLecT

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Legenda: Fotos: Justin Jin, courtesy Cai Studio

Nascido na província chinesa de Fujian, o artista Cao Guo-Qiang conta que sempre que um bebê nascia, uma pessoa morria ou alguém se casava, os fogos de artifício podiam ser escutados e vistos à distância. A pólvora é quintessência da cultura tecnológica chinesa, feita de improvisos e criatividades, assim como é conhecida sua arte.

Responsável pela cerimônia de abertura e encerramento das Olimpíadas de Pequim, em 2008, Guo-Quiang fez da pólvora protagonista. Entre coreografias rigorosamente sincronizadas que compunham um placar humano que contava toda a história das grandes invenções do mais populoso país do mundo, estavam lá os fogos de artificio em todas as suas variedades e cores possíveis.

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Desde a década de 1980, o artista dá à pólvora outro uso, indo além das pirotecnias em pleno no ar. Realizando-as no papel, fica conhecido mundialmente por praticar uma espécie de “pintura” com a substância inflamável. Por sua criatividade inusitada – e para alguns arriscada, já que geralmente o artista realiza os desenhos diante de uma plateia – recebeu o Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 1999. Pela primeira vez o público poderá ver seus desenhos feitos de fogo no Brasil, em uma exposição que percorrerá três capitais: Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em cartaz no Centro Cultural do Brasil de Brasília a partir do dia 5 de fevereiro, Guo-Quiang traz não apenas sua pólvora artística, com performances ao vivo da feitura explosiva de suas obras flamejantes, mas toda a sua pesquisa criativa voltada para a relação indelével entre arte e tecnologia no contexto chinês.

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Legenda: Guo-Quiang criando um de seus desenhos com pólvora. Foto: Wen You-Cai; Cai Studio

Dentre os trabalhos expostos, uma série de traquitanas que o artista recolheu durante anos junto aos camponeses da República Popular da China. Invenções e gambiarras criadas pela necessidade, são instrumentos para o cultivo e outras mais variadas funções feitos de sucata e material reaproveitado.

De sucata também parecem feitos os robôs de sua Robot Factory. Em uma instalação, cerca de 30 robôs feitos em parceria com o inventor chinês Yu Wulo, pintam como artistas de carne e osso um dia fizeram: Jackson Pollock, Yves Klein e até Damien Hirst _ artista britânico conhecido por ter ao seu comando uma fábrica de pinturas e por ser acusado de raramente pegar em um pincel.

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Legenda: Robô criado em parceria com o inventor Yu Wulu recria performance de Yves Klein. Foto:Joshua White/JWPictures.com, courtesy The Museum of Contemporary Art, Los Angeles

O título da mostra faz jus a ideia de cultura criativa de Guo-Quiang. Denominada Da Vincis do Povo, resgata, de certa forma, o espírito do humanista da livre iniciativa e do gênio autoral que está em cada um de nós quando colocávamos a palha de aço na antena para melhorar o sinal de recepção da TV ou quando inventamos algo formidável na nossa garagem.

Em um país com um bilhão e trezentos milhões de pessoas, esse tipo de iniciativa é prezada, incentivada e louvável. Pensando nisso, a exposição será acompanhada de uma série de oficinas voltadas para crianças que enfatizam uma espécie de iniciação na robótica. Crianças poderão confeccionar seus próprios autômatos feitos de materiais reaproveitados.

Em entrevista por e-mail para a revista seLecT, Guo-Quiang fala sobre sua primeira exposição no Brasil, sua relação com a pirotecnia e a possibilidade da arte como forma de engajamento social:

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Legenda: Criação da obra Desire for Zero Gravity_ Foto: Joshua White/JWPictures.com, courtesy The Museum of Contemporary Art, Los Angeles

Durante a exibição de seus trabalhos é comum o público experimentar seu processo artístico. Por que você acha isso importante?

Quando faço os desenhos usando pólvora, a plateia experimenta as mesmas emoções que eu: excitação e ansiedade; ficam olhando atentamente à espera do resultado final. De certa maneira, o destino das pessoas e do artista se encontram nesse processo que acaba sendo comum.

A pólvora e o fogo são elementos intrínsecos da história da arte e da tecnologia na China. O que fez que você escolhesse estes elementos como forma de linguagem artística no seu trabalho?

A pólvora em chinês é chamada de huo yao, e literalmente significa “remédio de fogo”. Foi descoberta pela primeira vez por alquimistas taoístas que buscavam uma fórmula para a imortalidade. Posteriormente durante o período de epidemias, ela foi usada como sinalizadora nas cidades que eram assoladas por pragas, avisando de longe o perigo. O que as pessoas não sabiam naquela época é que as fumaças sulfurosas emanadas da pólvora inflamável eram antisépticas e isso impedia as epidemias de se espalharem.

Eu cresci na província de Fujian e toda vez que um bebê nascia, alguém se casava ou morria havia um fogueteiro, era uma espécie de rito de passagem na vida das pessoas. Como um artista rebelde na década de 1980, eu procurava por um novo meio de expressão. Sempre fui tímido, e sabia que precisava ser audacioso para ser um bom artista, então procurei uma maneira de autodestruição e rebeldia dentro do contexto político daquele momento. Meus vizinhos fabricavam fogos de artifício, então a pólvora era super acessível para mim. Ela trouxe um elemento incontrolável e muita espontaneidade ao meu trabalho.

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Legenda: Detalhe da instalação Robot Factory quando a exposição foi exibida na China. Foto: Cai Studio

Você se tornou mais conhecido do público após dirigir as cerimônias de abertura e encerramento das Olimpíadas de Pequim, em 2008. Como você usou sua prática de pirotécnico para essa experiência?

Quando você planeja grandes cerimônias, você tem que trabalhar com o governo e pensar nos milhões de pessoas que te assistem ao redor do mundo. É completamente diferente da minha experiência de criação com desenhos em pólvora, onde faço tudo de maneira mais subjetiva. Na verdade, organizar um evento desse tamanho é como organizar uma revolução em praça pública, as coisas tem de ser calculadas e você tem que pensar em como as pessoas vão ver e aproveitar a ocasião.

É sua primeira vez no Brasil? Como foi o processo curatorial para esta sua primeira exposição na América Latina?

Já estive no Brasil inúmeras vezes. Em 1999 e 2000, eu trabalhei com crianças e adolescentes em área de risco em Salvador, dentro do projeto Axé Social, organizado pela Bandaxé da Casa de Cultura e o Museu de Arte Moderna da Bahia. Eu as ensinei como criar canhões para um projeto meu chamado Salute. Também participei duas vezes da Bienal de São Paulo, em 1996 e 2004.  Porém, Da Vincis do Povo é minha primeira individual no país. Desta vez, terei a chance de visitá-lo melhor e conhecer mais cidades. Para essa mostra, pretendo ter um diálogo mais direto com a cultura brasileira e interagir mais com o público quando realizar meus desenhos com pólvora.

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Legenda: Colagem fotográfica de Cai Guo-Quiang- Foto: Cai Studio

Sobre o título da exposição, que é uma espécie de homenagem a Da Vinci, de que maneira o artista italiano aparece nos trabalhos selecionados e exibidos?

Leonardo Da Vinci, como muitos dos inventores presentes na mostra, representa a curiosidade humana, nosso desejo de criar coisas e explorar mundos desconhecidos. Do meu ponto de vista, as máquinas de Da Vinci são mais científicas do que as máquinas dos camponeses que selecionei, mas as dos camponeses não deixam de serem menos artísticas. O título da exposição Da Vincis do Povo é um tributo a estes inventores criativos.

Serviço 

CAI GUO-QIANG – DA VINCIS DO POVO
Centro Cultural Banco do Brasil e Museu dos Correios
Brasília de 5/2 a 31/3
Entrada gratuita