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Control Radioactivo, do Luzinterruptus, em que 100 figuras iluminadas põem em evidência, em tom humorado, a paranoia em que estamos desde o desastre radioativo do Japão (Foto: Gustavo Sanabria/Luzinterruptus)
Postado em 19/08/2014 - 7:02
Luzes, dados, mobilização!
Artistas apropriam-se de sistemas de luzes, projeção e dados para transformar a arquitetura em interface e recriar a cidade como plataforma de comunicação
Giselle Beiguelman

“Está tudo escuro, mas é muito excitante”, disse o filósofo e psicanalista Félix Guattari, comentando o cenário de incertezas dos anos 1980. Frase emblemática do que poderia ser definido como filosofia do otimismo crítico, cai como luva para conceituar a produção de certos artistas, como o polonês naturalizado americano Wodiczko, o brasileiro VJ Suave ou o coletivo espanhol Luzinterruptus. Em suas intervenções, eles combinam, com rara beleza, tecnologia e atitude política. Já artistas como o grupo Urbanscreens, o britânico Bruce Munro e os participantes do projeto galeria digital da Fiesp, concebido por Marilia Pasculli, da Verve Cultural, apropriam-se de espaços urbanos para ressignificá-los, encantando os passantes mais desatentos e levando-os a (re)descobrir a cidade. De perfis muito variados, todos eles têm a noite como denominador comum. A escuridão como pré-requisito de suas infiltrações estéticas, políticas e poéticas.

Vídeo de 320˚ licht, instalação do coletivo Urbanscreens no gasômetro de Oberhausen, na Alemanha, com padrões cinéticos no muro interno de 100 metros de altura

Telas urbanas (Urbanscreens)

Coletivo alemão formado em 2005 em Bremen, o Urbanscreens leva às últimas consequências a ideia de telas urbanas e mostra em suas intervenções o que é video mapping, para além do fetiche de certas fachadas dançantes. Técnica que combina projeção de vídeo com modelagem arquitetônica computadorizada, o video mapping aqui se converte em “Lumentectura”, como definem os membros do grupo, um híbrido de arquitetura e luz. O resultado é a fusão entre estrutura física e imaginário digital, que instaura outra experiência da cidade.

Vídeo de “suaveciclo” da dupla VJ Suave, de São Paulo, com projeção de graffite na paisagem a partir de uma bicicleta

Mídias da rua (VJ Suave)

Duo paulistano formado por Ygor Marotta e Ceci Soloage, o VJ Suave atua desde 2009 e dedica-se a intervenções multimídia que combinam street art e mídias digitais. Seu slogan “Mais Amor, Por Favor” traduz a delicadeza do ativismo político no qual estão engajados. Entre os destaques de sua produção estão o “suaveciclo”, um combinado de bicicleta, aplicativo para grafitagem eletrônica e sistema de projeção, e os video mappings – desenhos manuais com tecnologias bem atuais, como os que resultaram na premiada série Homeless (2013).

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A instalação Field of Light, do britânico Bruce Munro (Bruce Munro, 2014/Foto por Mark Pickthall)

Luz na paisagem (Bruce Munro)

Mago da noite, o artista inglês Bruce Munro transforma em espaço de encantamento tudo aquilo que toca. Bastante comprometido com a filosofia de reciclagem de mídia, como fica claro no seu impressionante CDSea (2010), um oceano de 600 mil discos digitais, que inundou a reserva biológica de Long Knoll Field, em Wiltshire. Mas Bruce Munro é também fascinado pelo impacto da luz na paisagem. Sua mais famosa intervenção, Field of Light, realizada em diversos países desde 2004, “planta” bulbos de luz em praças e lugares abertos, criando monumentos efêmeros que objetivam estabelecer também narrativas íntimas e pessoais.

Caminhadas noturnas (Luzinterruptus)

Nas obras desse coletivo espanhol inteiramente dedicado à exploração da luz, as lâmpadas transformam-se em dispositivos críticos que iluminam questões energéticas, ecológicas e políticas. Comprometidos com discussões sobre iluminação de baixo custo, eles transformam suas ações em protestos visuais. Em Control Radioactivo, por exemplo, promovem caminhadas noturnas em que performatizam a céu aberto trabalhadores de usinas nucleares, chamando a atenção para sua presença e perigos ao meio ambiente.

Vídeo sobre o projeto de Wodiczko que transmite testemunho ao vivo de trabalhadora da indústria fronteiriça do México com os EUA (material produzido pela organização Art21 para o Public Broadcasting Service)

Projeção social (Wodiczko)

Pioneiro da combinação entre crítica, tecnologia e intervenção urbana, Wodiczko ficou famoso, nos anos 1980, ao fazer suas primeiras projeções em grande escala na Union Square, em Nova York. Reduto de sem-teto, a área começava a receber os primeiros investimentos rumo à sua gentrificação. Ao projetar imagens dos moradores da praça nos monumentos que a adornam, iniciava uma metodologia de ativismo que vem se atualizando continuamente. Sua estratégia: a visualização do tecido social e das tensões no uso do espaço público, por meio de projeções de corpos humanos em grande escala, na arquitetura, questionando seus aspectos políticos e ideológicos. Em uma de suas projeções mais importantes, incorporou som também à imagem das maquiladoras (trabalhadoras de empresas americanas que se instalam na fronteira do México com os EUA para pagar salários baixíssimos). Os edifícios do museu da cidade de Tijuana ganharam, por uma noite, os rostos das operárias e também suas vozes, contando histórias das vicissitudes do cotidiano nessas fábricas.

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Aparição, de Daniel de Paula, que instalou um poste de iluminação pública no interior do Centro Cultural São Paulo (Foto: Cortesia do artista)

A luz de todos nós (Daniel de Paula)

Aparição (2011) promove uma relação de tensão entre o espaço interior e exterior, a partir da surpreendente inserção de um poste de iluminação pública no Centro Cultural São Paulo. Obra do artista Daniel de Paula, o projeto forçou uma negociação entre dois órgãos distintos da prefeitura de São Paulo – o Centro Cultural São Paulo e a Ilume, responsável pela iluminação pública da cidade. “Além desse deslocamento geográfico, a posição do poste também foi deslocada para uma diagonal que se encaixava com a arquitetura do espaço por meio de um equilíbrio preciso”, diz o artista. Uma célula fotoelétrica acionava automaticamente a luz do poste.

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Plataforma digital (SP Urban Art)

Projeto da curadora e artista Marilia Pasculli, a SP Urban Art transformou a fachada da Fiesp, na Avenida Paulista, em uma gigantesca Galeria de Arte Digital, colocando São Paulo em sintonia com grandes cidades asiáticas, como Seul, que cedem suas fachadas para ser ocupadas por vídeos e imagens interativas de qualidade. No caso paulistano, são inesquecíveis algumas das obras ali realizadas, com destaque para a mostra Play! (2013), que fez do prédio uma plataforma para jogos eletrônicos. Quem jogou Pac-Man nessa “tela” de 99 metros de altura não esquece.

*Curadoria publicada originalmente na #select19