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Postado em 21/10/2014 - 6:22
Movimento contínuo, mudança contínua
Juan Fontanive realizou individuais em Londres, Basel e São Francisco, além de coletivas no New Museum, em Nova York, e na The Running Horses, em Beirute. Em outubro, o norte-americano traz obras inéditas para sua primeira individual em São Paulo, na Carbono Galeria
Laura Bardier

Juan Fontanive é um construtor. Quando conheci Juan, interpretei mal sua personalidade plácida e elevada, nunca pensei que estivesse entre aqueles que realmente realizam o trabalho. Como artista, Fontanive é um técnico sólido: ele conecta e associa componentes básicos com dobradiças para realizar o projeto mecânico desejado, em que a transmissão do movimento é vital.

O artista nasceu em Cleveland, de uma família de pintores. Ele vive e trabalha no Brooklyn já há alguns anos, onde tem seu surpreendente laboratório metalúrgico. Suas obras têm sido vistas na Fundação Gulbenkian, em Lisboa no Museu Kinetica e na Royal Academy of Art, em Londres, no New Museum, em Nova York, e até mesmo na loja do New Museum!

O processo criativo de Fontanive envolve conceber desenhos de engenharia que detalham o tipo de barra e o espaçamento usados na montagem da obra. Ele imagina cada peça em um tempo e uma posição muito específicos, quase criando um storyboard da escultura. É experiente em trabalho manual, mas seus pensamentos estão no cinema experimental dos anos 1920 e 1930. Sem a menor nostalgia, os filmes abstratos de Oskar Fischinger estimulam sua pesquisa artística, como Ein Spiel in Linien (Alemanha, 1930); assim como o primeiro filme animado de Len Lye, Tusalava (Reino Unido, 1929) e o mais conhecido Anemic Cinema, de Marcel Duchamp (França, 1926). Considerando que colocar o espectador à parte das realidades concretas, promove uma conexão mais dinâmica e meditativa com o filme. Silenciosos ou incorporando trilhas sonoras assíncronas, os filmes abstratos da vanguarda europeia são caracterizados pela ausência de narrativa linear e por técnicas variadas que enfatizam linhas, cores e formas, mais que objetos ou formas específicas.

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Native Fountain (2014), obra cinética do artista norte-americano Juan Fontanive (Foto: Duncan Morimoto-Brown/Carbono Galeria)

 

Fontanive cria ambientes visuais e sônicos em que os espectadores são seduzidos em um encantamento cinético. Seu trabalho rompe a imagem visual em suas linhas, cores e formas básicas, em uma narrativa não linear que inunda os sentidos. Explorando contrastes e vibrações cromáticas e criando superposição de elementos no espaço, o artista evoca o movimento da Arte Óptica. Seu trabalho abraça o período pós-imagem e seus efeitos ópticos, certamente com a intenção de estimular a função participativa do espectador e também gerar uma emoção.

A obra inédita Native Fountain (Fonte Nativa, 2014) é configurada por elementos retangulares pretos e brancos que, montados de maneira orgânica, determinam um fluxo que muda intermitentemente sem se deslocar. Como uma coreografia refinada, a peça segue uma delicada sequência de movimentos, em que formas são desenhadas com cuidado e ampla liberdade. No centro dessa peça está o dispositivo Geneva Drive, constituído por dois componentes dessemelhantes que interagem simbioticamente, em constante rotação, conduzindo-se mutuamente a um movimento rotativo intermitente. O nome desse dispositivo cativante vem de sua primeira aplicação em relógios na cidade de Genebra (Suíça), mas foi Jules Carpentier, que trabalhou com os irmãos Lumière e Oskar Messter, o primeiro a empregar os dispositivos Genebra em projetores de cinema em 1896.

Por mais peculiar que possa ser, essa ferramenta inspirou diretores de arte e artistas, assim como Juan Fontanive. Talvez seja o modo como um motor impele o outro, talvez seja o modo como os dois elementos funcionam juntos para produzir uma combinação rítmica de brancos e pretos alternados – os dois tons mais extremos de claro e escuro. Talvez seja a ramificação bruxuleante que resulta das linhas animadas, talvez seja o tranquilizador ruído branco. Não tenho certeza, mas Fontanive descobriu- a há muito tempo, quando costumava comprar velhos relógios em mercados de pulgas, durante seus estudos em Londres.

Com esses Genebra Drives o artista realizou sua primeira série Ornitologia. Sou especialmente atraída pelas peças Colibri (2011). Beija-flores são pássaros incríveis, são capazes de voar sem sair do lugar. Movem suas asas tão rapidamente que parecem flutuar. Fontanive construiu uma gaiola para eles, ou melhor, uma moldura para essa ilusão. Como o experimento fotográfico de Eadweard Muybridge, Sallie Gardner a Galope, de 1878, Fontanive ilustra a velocidade das asas dos beija-flores, que não pode ser decomposta pelo olhar humano. Mas os colibris são conhecidos por seus voos rápidos, suas asas poderosas batem tão depressa que produzem um zumbido. As peças de Fontanive seguem esse som sugerido, reforçando essa ilusão. Como um folioscópio (flipbook, ou livro de animação), a peça Colibri é feita de uma série de duas metades de desenhos de beija-flores que variam gradualmente, de modo que, quando as imagens são viradas rapidamente, os colibris parecem voar. Outra peça curiosa é Cat’s Eyes (Olhos de Gato), que apresenta um enxame de pares de círculos que aguardam estacionados em movimento intermitente.

No século 18, as feiras e exposições estavam cheias de autômatos fantásticos, magos e pássaros mecânicos. A pesquisa de Fontanive diferencia-se dos autômatos do passado e do digital do presente na medida em que suas obras pretendem ser indeterminadas. Suas esculturas são fortuitas, não premeditadas. Mais que isso, desenhadas e construídas para funcionar de maneira aleatória, harmonicamente.

[Tradução Luís Roberto Mendes Gonçalves]

A seção Vernissage é um projeto realizado em parceria com galerias de arte, que prevê a publicação de um texto crítico sobre a obra de um artista que estará em exposição durante os meses de circulação da edição.

*Vernissage publicada originalmente na #select20