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Postado em 02/12/2011 - 6:40
Nada é o que parece
Juliana Monachesi

Em Nome dos Artistas: Hirst e Koons são os artistas históricos cujas obras servem de pano de fundo para as de uma nova geração, muito mais instigante

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Damien Hirst e Jeff Koons estão para a mostra Em Nome dos Artistas, em São Paulo, assim como Tintoretto para a 54a Bienal de Veneza: são a arte histórica que serve de pano de fundo para se apreciar o que se fez com seu legado, aqui sobretudo a contrapelo. Dan Colen finca uma pedra fundamental logo na “entrada” do segundo piso da exposição no Pavilhão da Bienal; feita de papier machê, ela é pintada para parecer pedra, para parecer suja, coberta de cartazes caseiros de bichos e pessoas desaparecidas (pintados), pichações e cocô de pássaro (pintados), chicletes mascados e descoloridos (imitados à perfeição com tinta óleo!); sob o marco urbano, um letreiro em que se lê BLIND DEAF AND DUMB.

O conjunto de obras de Colen na coleção Astrup Fearnley permite conhecer várias facetas de seu trabalho: do hiper-realismo ao neoexpressionismo abstrato flower power, com direito ainda à visão, entre paródica e apocalíptica, de suas performances de resultado escultórico. Diante deste grupo aparentemente tão variado, duas perguntas se impõem: Por que alguém com tamanha habilidade técnica – a ponto de fazer pinturas fotográficas diante das quais a gente não termina de decidir se são pinturas ou fotos mesmo – aplica o próprio virtuosismo na elaboração de titicas pollockianas? E, o que uma tal escolha de “assuntos artísticos” – cocô de pássaro, filmes da Disney, pichações e depredações de patrimônio simbólico em geral – diz sobre a história recente das mentalidades norte-americana?

As perguntas ecoam (e encontram diferentes respostas) ao longo da exposição que traz a São Paulo um recorte de arte norte-americana da coleção particular norueguesa, com sede em Oslo. Virando à direita após a subida da rampa, o conjunto de trabalhos seguinte é de Nate Lowman, que, junto com Dan Colen e Dash Snow (1981-2009), formava até poucos anos atrás um trio de destemidos jovens artistas que sacudiu a cena nova-iorquina, ou, como bem definiu Carol Vogel no NYT, grupo emblemático de uma geração que festejava pesado e se arriscava bastante no mundo da arte pré-crash de 2008.

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Há trabalhos de Lowman na exposição Em Nome dos Artistas que datam desta época, como The Young and the Restless (2004), painel com pinturas, fotos, xerocópias e recortes de jornal que falam de uma sociedade tão vidrada (porque infestada e fascinada ao mesmo tempo) pela violência que transforma vítimas (e perpetradores) de violência em celebridades. Uma obra com vidro à prova de bala coberto de rachaduras [Act Natural (2009)] e pinturas que reproduzem e amplificam em linguagem pop um furo de bala [Escalade (2005) e Helleborus (2005)] complementam a leitura de Lowman sobre a obscenidade da sociedade americana (outras obras, como a Estátua da Liberdade pintada em linguagem reticular e uma homenagem a Willem de Kooning exposta ao lado de uma imagem publicitária com um rabisco obsceno matizam a leitura do conjunto).

Nem tudo é sombrio neste segundo piso da exposição; Mike Bouchet e Matthew Ronay fazem uso do imaginário continental dos EUA – Tom Cruise em Top Gun a paixão pela tenista alemã Steffi Graf etc. – para criar ilustrações tridimensionais tingidas com as cores do lado alegre da pop art. (Algumas obra de Nate Lowman seriam um exemplo das tonalidades do lado trágico do pop; para quem ainda duvida que a pop tem esta dubiedade inequívoca, convem conferir as pesquisas recentes sobre a arte de Andy Warhol, para citar apenas um exemplo, o mais emblemático.)

Seth Price, que infelizmente está representado por apenas um trabalho pontual [Vintage Bombers (Gold Pair), 2006], mira o aspecto fáustico do desenvolvimento tecnológico em dois “alto-relevos” obtidos pela técnica do poliestireno formado a vácuo: como as placas de plásticos são pintadas de dourado, à primeira vista parece tratar-se de algum material nobre, mas nas imperfeições da pintura o material se dá a ver; o plástico de embalagem a vácuo foi bastante utilizado por artistas nos EUA entre os anos 1960 e 1970 (Iain Baxter, Les Levine, Luis Camnitzer e Marcel Broodthaers), quando a técnica simbolizava modernidade e progresso (ou descartabilidade e produção em massa, em um uso crítico), o que em uma obra feita nos dias de hoje se lê como obsolescência e decadência.

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O mesmo se passa nos desenhos de Karl Haendel e nas esculturas de Rachel Harrison. Da locomotiva que já simbolizou o futuro, o desenho executado impecavelmente com grafite por Haendel destaca a fumaça, o sinal da decadência para a mentalidade do presente [Train #1 (2008)]. Este é o único desenho do artista que é exposto sozinho. Nas suas demais obras no Pavilhão da Bienal, a inflexão crítica advém do conjunto de desenhos que ele aproxima, como no excelente Post War and Contemporary (2005-2006), que condensa a história recente dos EUA pela aproximação entre ícones nacionais idiossincráticos, que vão do astronauta John Glenn à novela General Hospital, da bandeira de 48 estrelas (em vigor no país até 1959) ao tupperware.

Josh Smith, Aaron Young e Gedi Sibony voltam a baixar o tom da exposição quando o visitante se aproxima do final deste segundo andar. Eles representam o estilo pictórico que tem sido o mais incensado nos Estados Unidos nos últimos tempos, o de uma pintura de segunda mão ou de segunda geração, metapintura que raras vezes é construída com tinta e pincel. (A seLecT já abordou este tema aqui no site, a propósito de outra exposição de que Smith e Seth Price participaram recentemente, a Bienal de Veneza.) As serigrafias de Aaron Young, por exemplo, são registros de uma ação promovida pelo artista em mostra individual em uma galeria de Los Angeles em 2005, onde ele deixou as paredes da galeria brancas e vazias e disponibilizou 163 latas de spray Belton Malatoff (uma de cada cor) no local. As intervenções ou manifestações de outras pessoas são o cerne desta pintura indireta.

Esta exposição dentro da exposição deixa claro que quem toma Damien Hirst e Jeff Koons como emblemas da arte de agora está, no mínimo, perdendo o bonde da história (da arte). Ou, mais grave, que me parece ser o caso das duas matéria de capa estampadas, desde que Em Nome dos Artistas foi inaugurada, em uma revista de grande circulação e no caderno dominical de um jornal de grande circulação, está fazendo o maior desserviço não apenas à cultura, mas também a todo jovem artista brasileiro que visita a bienal (e, para sorte desta geração, agora também as exposições promovidas pela Fundação Bienal em anos ímpares, quando não acontece a mostra paulistana) em busca de repertório e formação.