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Rivane Neuenschwander trabalha sobre o medo infantil em oficinas no Parque Lage | Escola de Artes Visuais e em exposição no Museu de Arte do Rio (MAR) (Foto: Pedro Agilson)
Postado em 20/05/2017 - 5:28
No lugar do fantasma
O Nome do Medo, de Rivane Neuenschwander, trata de entender como o medo pode ser traduzido por meio de palavras, desenhos e objetos
Bianca Dias

Rivane Neuenschwander nos dá acesso ao mais corajoso dos gestos num artista: assumir-se junto de sua obra numa deriva que implica a dimensão humana, como algo insular e precário e, também, heteróclita força que se dá no intrincamento entre sujeito e cultura, complexa teia de onde nasceu O Nome do Medo, trabalho apresentado pela primeira vez, em 2015, na Whitechapel Gallery, em Londres. O projeto refletia, desde então, sua pesquisa e interesse na psicanálise e a tentativa de entender como o medo pode ser traduzido por meio de palavras, desenhos e objetos.

O Nome do Medo foi realizado, primeiramente, com crianças de 7 a 9 anos. Agora é retomado no Brasil, a partir de uma série de oficinas realizadas com crianças de até 13 anos na EAV Parque Lage e no Museu de Arte do Rio (MAR), sob curadoria de Lisette Lagnado, de onde se estabeleceu uma fecunda troca. Das oficinas surge a exposição no MAR, que apresenta os trabalhos transformados em capas – elemento da indumentária que povoa o imaginário infantil.

Traduzindo o material produzido nas oficinas, o fashion designer Guto Carvalho Neto foi convidado, junto com a artista, a desenvolver capas a partir dos desenhos feitos pelas crianças. As capas apresentam-se com a dupla função de abrigar e afugentar o medo, como possibilidade de uma relação ética, que se expande para além do museu. O que se encontrará é uma condensação das questões processuais e conceituais do projeto, uma aposta de nomeação que convoca o simbólico: gesto singular que reverbera no comum e toca esse sentimento que vive à beira do indizível.

As oficinas iniciaram com uma roda de conversa, acompanhada de uma projeção que trazia referências de capas usadas em diversas culturas. Esse primeiro momento motivou o debate entre as crianças e o surgimento de uma interrogação que norteou o trabalho: como narrar e habitar nossos medos?

A resposta é esboçada num processo que se apresenta como um ensaio através de filmes, desenhos, bordados e experiências partilhadas, com as crianças construindo um lugar a partir de referências da arte, como os parangolés de Hélio Oiticica, o manto de Arthur Bispo do Rosário, o Divisor de Lygia Pape ou, ainda, na projeção de imagens de uma máscara de Sophie Taueber-Arp, de 1916, ou da imagem de Joseph Beuys enfrentando um coiote numa performance de 1974.

Neuenschwander afirma que trazer ao Brasil um projeto dessa natureza guarda diferenças da experiência realizada em Londres, já que a temática do medo é sempre atravessada pelo social e pela maneira única como a criança responde por sua experiência de mundo, inscrevendo aí seu traço singular.

A capa interessa como escritura derivada do desenhar, rasgar, colar, manchar. Não se trata, portanto, nem na psicanálise nem na arte, de interpretar o brincar, mas de fazer surgir a enunciação velada, uma espécie de função mediadora de algo que se coloca no lugar do fantasma. Para Lacan, o fantasma é justamente o que promove certo enquadramento da relação do sujeito com a realidade, com seus objetos. Nessa transmissão, a criança apropria-se de seu mal-estar de modo a transformá-lo, borrando os discursos, refundando o jogo de ausência-presença do objeto. A capa surge, então, como uma solução provisória que possibilita uma passagem do pequeno sujeito, mergulhado num abismo ameaçador, ao apelo que reveste e faz cintilar a vida.