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Piscina (2009), do artista argentino Jorge Macchi (Foto: Pedro Motta)
Postado em 07/01/2016 - 5:16
O colecionador ativo
Coleções notabilizam-se em viabilizar a produção de obras de arte que não cabem em orçamentos de museus
Paula Alzugaray

Mais que comprar e acumular para o deleite ou promoção pessoal, ser um colecionador de arte contemporânea pode ser um ato de responsabilidade artístico-social. Para além das construções narrativas que uma coleção pode engendrar com maior ou menor relevância, um colecionador faz-se respeitar hoje por promover a circulação e o acesso público do seu acervo, abrindo espaços próprios; apoiar projetos artísticos e curatoriais; financiar residências e bolsas; editar livros; patrocinar exposições em museus e, cada vez com mais frequência e interesse, se engajar na produção de novas obras de arte.

O colecionador que se notabiliza por apoiar a atividade artística ganhou recentemente a atenção do curador José Roca, que organizou na Feira Internacional de Arte de Bogotá (ArtBO), em outubro passado, uma mesa para discutir “o colecionador como produtor”. Na ocasião, foram convidados para apresentar seus projetos o colecionador mexicano Boris Hirmas, o peruano Juan Carlos Verme e a venezuelana Solita Mishaan, radicada em Bogotá, cuja Fundación Misol disponibiliza bolsas para artistas e curadores latino-americanos.

“Qualquer um com um pouco de tempo e dinheiro pode colecionar”, expôs Juan Carlos Verme, presidente do Museu de Arte de Lima (Mali) e diretor do Proyecto Amil, uma plataforma com ambições maiores do que apresentar uma coleção em um espaço expositivo com bom projeto arquitetônico. “O que me interessa não é o gesto fetichista de acumular objetos para guardar. São os processos. Estamos falando de um colecionismo ativo: ter ideias e levá-las a cabo.” O projeto prevê a organização de debates, publicações, convites a artistas internacionais para residências em Lima e comissionamento de trabalhos de artistas locais ou estrangeiros.

“Foram três aproximações aos papéis do colecionador para além de sua coleção”, diz Roca à Select. “Juan Carlos Verme apoia uma instituição pública para assegurar que esta tenha um alto nível em sua coleção; Solita Mishaan cria sua própria instituição e não cai na tentação de fazer um museu privado, mas apoia iniciativas existentes, com bolsas a curadores e artistas emergentes; e Boris Hirmas possibilita a produção e exibição de obras de grande complexidade, trabalhando com artistas como Carlos Amorales e Rirkrit Tiravanija para que a peça seja ativada”.

Novas geografias

Ainda que um brasileiro não tenha integrado a mesa, o colecionador Bernardo Paz, criador do Inhotim, adapta-se bem ao perfil. “Paz tem um projeto complexo que coloca em cena peças potentes em um grande jardim”, diz Roca. O Inhotim abriu em 2006, em Brumadinho (MG), como um instituto cultural destinado não apenas à conservação e visitação pública da coleção de arte contemporânea do empresário Bernardo Paz, mas também ao apoio à produção artística. “Nosso papel é oferecer às pessoas acesso à cultura e promover os artistas em nível mundial”, diz Paz à seLecT. “Cada vez mais artistas querem ter seus projetos eternizados no Inhotim.

bernardo paz
Colecionador Bernardo Paz, idealizador do Inhotim, que este ano chegou a 2 milhões de visitantes. (Foto: Rossana Magri)

Não pretendemos comprar mais obras, nossa intenção é construí- -las com os grandes artistas, trazendo-os aqui, mostrando a magia desse lugar e dando-lhes a oportunidade de terem um pavilhão no Inhotim.” Em dez anos de atividade, o Inhotim consolidou um projeto socioeducativo, a exibição permanente de 180 obras de uma coleção de 800 itens para um público que chegou a 2 milhões de visitantes e a prática de comissionamento de obras, a cargo da equipe curatorial capitaneada por Rodrigo Moura. Entre as obras pensadas especificamente para o jardim do Inhotim incluem- se os site-specifics Inmensa (2002), de Cildo Meireles, Sonic Pavillion (2009), de Doug Aitken, Origem da Obra de Arte (2002), de Marilá Dardot, e a Piscina (2009), de Jorge Macchi.

“Entendemos que existe o desejo de muitos artistas em construir grandes obras, que não são factíveis para museus. No Inhotim, isso é possível. Estimulamos esses artistas para que criem obras que possamos viabilizar, tendo em vista a área de expansão do Parque, que chega perto de mil hectares”, diz Paz. Apesar de o objetivo final ser sempre a integração das obras ao acervo, o Inhotim coproduziu dois trabalhos que tiveram suas “estreias” na Bienal de Veneza: Homo Sapiens Sapiens, de Pipilotti Rist, em 2005, e Pling Pling, de Cildo Meireles, em 2009.

Assim como o Inhotim, que descentralizou o circuito de arte, colocando Brumadinho no mapa internacional, a coleção de Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz também instaurou nova cartografia no cenário institucional brasileiro, abrindo um instituto em Ribeirão Preto, no interior paulista. Com exposições anuais, um cuidadoso projeto educativo e programa de palestras e cursos, seria imprudente não atribuir ao Instituto Figueiredo Ferraz a ativação da cena local.

Obra do artista norte-americano Aaron Curry, comissionada pela Rubell Family Collection. (Foto: Cortesia Rubell Family Collection)
Obra do artista norte-americano Aaron Curry, comissionada pela Rubell Family Collection. (Foto: Cortesia Rubell Family Collection)

Uma coleção ativa uma cidade

O que Paz e Figueiredo Ferraz fazem no interior do Brasil cabe à família Rubell, no Sul dos EUA. A Rubell Family Collection é a primeira coleção privada disponibilizada para visitação pública em Miami. O gesto arrojado do casal nova-iorquino Don e Mera Rubell – que se mudou para a Flórida no início dos anos 1990 e transformou um antigo depósito de armazenamento de armas e drogas confiscadas em museu – foi catalizador da cena local. “Miami tem apenas 100 anos. É uma cidade muito jovem. Naquele momento, não tinha voz na arte contemporânea, tinha uma pequena e crescente comunidade”, diz Don Rubell à seLecT.

Logo as famílias De La Cruz e Margulies também abriram suas coleções e, com a entrada em cena da grife Art Basel, em 2002, Miami tornou-se o centro do mercado de arte latino-americano. “Nós frequentávamos a Art Basel há 25 anos. Depois de abrir o nosso espaço, convidamos Lorenzo Rudolf, então diretor da feira, para conhecer Miami. De certa forma, Miami é como Basel. Está no centro, entre o Norte e o Sul”, diz Mera Rubell à seLecT.

O casal Mera e Don Rubell, em visita ao Rio de Janeiro, em setembro deste ano. (Foto: Marco Rodrigues)
O casal Mera e Don Rubell, em visita ao Rio de Janeiro, em setembro deste ano. (Foto: Marco Rodrigues)

A fundação foi criada como um negócio para reunir a família em torno de uma paixão comum. Don era médico, Mera trabalhava no mercado imobiliário, Jason tinha uma galeria de arte, Jennifer era estudante de arte. “Nos tornamos uma instituição pública porque nossos filhos se formaram em história da arte. Durante todo o seu curso, eles nunca viram uma obra de arte. Toda a educação foi feita via slides. Além disso, a educação artística naqueles anos terminava em Andy Warhol. Eles nunca tinham visto um trabalho de arte que tivesse sido feito nos últimos 20 anos”, conta o patriarca. Hoje, a parceria com o sistema público de ensino de Miami viabiliza a estudantes o contato direto com a história da arte contemporânea intrínseca às 6 mil obras de 800 artistas da Rubell Collection. De 12 a 15 artistas brasileiros integram a coleção.

A fundação apresenta exposições temáticas e itinerantes, publica livros e catálogos, abriga uma biblioteca de 40 mil volumes e realiza um programa de internship que oferece estágios de três meses em todos os departamentos da instituição, da montagem de exposições ao armazenamento do acervo e o atendimento do público.

Doar a instituições públicas e financiar a produção também está entre as prioridades. Recentemente, a coleção doou 119 trabalhos do artista afro-americano Purvis Young para a Martin Luther King Memorial Chapel, em Atlanta. “Historicamente, nós sempre compramos trabalhos que vimos em galerias ou em estúdios de artistas”, diz Mera, que em viagem ao Brasil, em setembro, visitou 25 ateliês em São Paulo, Rio e Belo Horizonte. “Mas, nos últimos anos, tivemos excelentes experiências em comissionamento de obras”. Entre eles, Oscar Murillo, Aaron Cury, Lucy Dodd e Jennifer Guidi.