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Galerista Renato De Cara
Postado em 23/11/2015 - 5:58
O que é performance?
O que particulariza a performance como manifestação estética de outros usos e significados expandidos da palavra? Artistas, curadores e pesquisadores respondem à pergunta, discernindo sobre a maleabilidade e os deslocamentos do termo

Renato de Cara

Galerista da Mezanino e coordenador do Festival de Performance Movimenta

A performance é uma ação que, quando percebemos, já acabou, independente- mente do uso da palavra. Seu discurso pode ser estético e político. Aliada à arte conceitual, expande-se em cena. De sua poética ficam o registro e o impacto do momento. A performance pode conter desenho, escultura, música ou teatro. Cito Tania Rivera: “Mais forte do que a escrita, a presença corporal de alguém, ao se oferecer ao olhar do outro, não se- ria essencialmente uma declaração ine- quívoca de que ‘se está vivo’ – o que sem- pre significa que ‘ainda’ se está vivo?”

Christina Freire

Curadora e pesquisadora do MAC-USP 

A palavra performance tem mui- tos e contraditórios sentidos na atualidade. Sua origem nas artes cênicas desqualificou para muitos artistas seu uso no campo das artes visuais, em especial nos anos 1970. Artistas mais politizados, sobretudo latino-americanos, con- sideraram o termo performance inadequado, na medida em que teatralizava ações e situações, esvaziando seus conteúdos políticos. Na atualidade, performance presta-se a qualificar uma categoria tecnocrática, ironicamente ligada à avaliação de resultados no mundo dos negócios. Fala-se, por exemplo, da avaliação da performance de funcionários. Nesse sentido, muito longe dos artistas dos anos 1970, o conceito de performance insere-se num mundo cada vez mais estruturado pelas normas de socialização performáticas, isto é: eficácia, iniciativa, flexibilidade, além de reiteração continuada de si mesmo. Assim, o termo performance designa tanto uma poética originária no teatro e utilizada pelas artes vi- suais como também se aplica à eficácia do capitalismo.

Christine Mello 

Crítica e curadora

As diferenças existentes entre o termo performance (como manifestação artís- tica) e performatividade (muito utilizado na antropologia e no pensamento crí- tico) ampliam hoje a noção de performance para diferentes campos, contextos e linguagens. Inscrita na história da arte, a performance é constituída de atos per- formativos, embora integre a eles propósitos artísticos. A noção de performati- vidade corresponde à instauração de um ato e ao próprio momento em que uma dada ação é realizada. Manifes- ta-se de forma geral no plano político, social e cultural. A per- formatividade promove desloca- mentos e a descentralização de processos singulares de produ- ção de linguagem na performan- ce como gênero artístico. Amplia a trama de relações constituídas para além dela. Destacar, portan- to, os estados performativos em vez da noção tradicional de per- formance tem interesse por se- rem eles processos mais ricos de heterogênese, produzindo, desse modo, expansão e pluralidade.

Lucio Agra 

Performer

O que se costuma chamar de “arte da performance” diz respeito a uma delimitação de “certa” história da arte, produzida nos centros da cultura ocidental dos séculos 19 e 20, a partir de pontos de vista que, social e culturalmente, refletem essa he- gemonia. A tarefa de construir uma história da performance brasileira ainda está em processo. Por outro lado, entre as palavras mais usadas hoje no meio intelec- tual-artístico, certamente perfor- mance é uma delas. Isso, de certo modo, é o que acaba suscitando essa delimitação: fora desse cir- cuito, performance geralmente é designativo de desempenho, no sentido mais costumeiro, presen- te na língua inglesa. E isso é uma pena, pois somos um povo que sabe saborear bem o corpo e seus processos no tempo-espaço. Pre- cisamos tomar a denominação como nossa e fazer da conexão arte-vida, presente desde sempre entre nós, uma potência sensível dos brasileiros.