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Capa do livro No tempo das telas: reconfigurando a comunicação (Foto: Divulgação)
Postado em 31/03/2014 - 8:27
O simbolismo da interface
Livro mapeia as particularidades da narrativa digital no ambiente das telas
Guilherme Kujawski

Na vida real Fábio Fernandes é escritor de ficção científica, tradutor e professor universitário; e Pollyana Ferrari é consultora de mídias digitais (e também professora universitária). Mas em certo universo paralelo, ambos são Alice, Pedro, Paula, Joaquim, Regina, Ana Beatriz, Pita e Bruno. Talvez sejam seus alter egos fragmentados; mas pode ser que aqueles sejam apenas nomes fictícios de pessoas reais. De qualquer forma, não há como saber quem é quem no thriller científico No tempo das telas: reconfigurando a comunicação, livro lançado recentemente pela editora Estação das Letras e Cores. A única coisa que sabemos é que Fábio e Pollyana são os autores.

Em termos de estilo literário, o caos identitário não chega a ser um problema; na verdade, é a solução da própria narrativa, que é uma “representação” dos discursos que hoje se desenrolam nas redes sociais e celulares. Imagine uma reflexão sobre a teoria ator-rede, mas em um estilo joyceano, com fluxos de consciência e citações diversas. Parece a concretização física de um projeto de twitteratura, com uma pitada de “modernidade líquida” e uma infinidade de bibliografias que remetem às mesmas práticas de Jorge Luis Borges e David Foster Wallace.

Apesar da cacofonia de vozes narrativas, o leitor é levado a uma dimensão solitária, tema bem explorado no filme Ela, de Spike Jonze. As análises de tecnologias como Tumblr e Whatsapp ecoam em um vale da morte, onde todos estão em um estado vegetativo, mas conscientes. Não há, em nenhum trecho do texto, a pretensão de fundar um subconsciente coletivo; as derivas pelo universo virtual soam psicologicamente superficiais, mas em seguida descobre-se que tal superficialidade é apenas uma tática para denunciar a falsa substancialidade do inconsciente. O inconsciente (assim como o consciente) não é formado; é in-formado.

O livro é, ao cabo e ao final, uma grata surpresa. Pode funcionar muito bem para os novatos no assunto (leia-se: público pré-geração-Y), mas também aos que já estão envolvidos com as novas tecnologias e mídias até a raiz dos cabelos (leia-se: geração do milênio). Mas pode satisfazer também quem procura apenas uma produção literária que funde de maneira equilibrada a forma e o conteúdo.