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Postado em 29/12/2011 - 3:54
Odires Mlászho
Juliana Monachesi

O livro é o começo e, muitas vezes, também o fim das obras do artista

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Ele já fez (quase) tudo o que é possível fazer com o livro entendido como suporte para a arte: escultura, colagem, descolagem, escarificação, camuflagem, esfoliação, todo tipo de recorte e incisão, molhou, derreteu vela em cima, apagou, serpentinou, vestiu, virou do avesso, embaralhou (muitos dos termos desta lista são derivados de técnicas inventadas por ele). As obras de Odires Mlászho começam e/ou terminam com um livro, invariavelmente.

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Morfologia Reumatológica A Scanning (2008), livro alterado (Corte e torção) (Foto: Edouard Fraipont/Cortesia Galeria Vermelho)

No início de sua trajetória artística, nos anos 1990, o processamento dos livros era menos aparente, porque o resultado eram sempre trabalhos fotográficos. Na série Cavo um Fóssil Repleto de Anzóis (1995-1996) – que pertence à prestigiada Coleção Pirelli de Fotografia –, os olhos de políticos alemães de um livro de retratos da década de 1960 enxertados em bustos romanos espreitam da superfície brilhante e impecável do papel fotográfico. Filósofos e poetas, como Kant e Schiller, são sepultados sob pétalas secas e parafina na série Animal Farejando o Teu Sono (2002); em obras feitas com a técnica da escarificação – um aparato de transferência de imagens criado pelo artista para produzir sulcos verticais com milímetros de distância entre um e outro na superfície inteira de folhas de um livro antigo –, o manual com posições corretas para realizar exercícios físicos (Atletas, 2001) e interiores arquitetônicos (Monumental Man, 2001) ganham ares fantasmagóricos.

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Box de Chumbo (2004), obra feita com a técnica de escarificação, um aparato de transferência de imagens criado pelo artista para produzir sulcos verticais com milímetros de distância entre um e outro na superfície inteira de folhas de um livro antigo.

Alguns trabalhos desse período surgem também das folhas soltas do mundo editorial: pôsteres de celebridades são submetidos à técnica da “serpentina”, corpos de revistas eróticas são retalhados para dar origem aos Butchers (série Mestres Açougueiros e Aprendizes, 2004), rostos femininos têm os olhos vazados e são recobertos por guardanapos molhados (Antecâmara da Máscara, 2001). Uma série emblemática ganha ampla divulgação na mídia no início dos anos 2000: as silhuetas de bebês que emergem quando o artista apaga tudo ao seu redor em páginas da revista de HQ Spawn.

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Butcher, ampliação digital da série Mestres Açougueiros e Aprendizes (2005)

Em 2002, a Galeria Vermelho, em São Paulo, é inaugurada com fotografias em grande formato de Odires Mlászho. Elas integram uma mostra coletiva, mas ganham lugar de destaque, como indícios do futuro da imagem fotográfica (a Galeria Vermelho, em seu projeto inicial, destinava-se à comercialização de fotografias apenas, com o intuito de estabelecer parâmetros de colecionismo privado e institucional dessa modalidade artística). A primeira exposição individual que a Vermelho realiza em sua sala principal (em agosto de 2002) é, não por acaso, do próprio Mlászho. Caminhando, entretanto, na contramão das tendências de mercado, o artista decide conceder autonomia a suas matrizes e, na segunda mostra individual na galeria, intitulada O.D.I.R.E.S (2006), expõe esculturas feitas com os 60 volumes das enciclopédias Britannica e Americana (Livros Alterados).

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Homem com Olho de Pássaro, fotografia da série Rolleiflex Serpentina (2002)

Na mesma ocasião, em que também mostrou ampliações fotográficas da série Mestres Açougueiros, expôs colagens cuja técnica batizou de “flaps”: livros inteiros recortados em faixas que foram abertas como um baralho e deixavam entrever 2 milímetros de cada página, possibilitando a visualização de seu conteúdo integral como uma imagem única. Entre eles, Atlas – Hardenability of Carburzed Steels, de 2005; NSK – Rolamentos de Esferas e de Rolos, de 2005; Sandvik, de 2006; e SKF, de 2006.

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Acima: Livros alterados da série britannica (2006). Abaixo: Livro cego (2010)

Mais recentemente, o artista vem se dedicando, na série Paisagens Cambiantes (1999-2007), a submeter livros inteiros às técnicas de esfoliação e recaligrafia, e também a criar livros vestíveis: adaptou uma coleção de cintos e tiras de couro à estrutura de luxuosos livros corporativos, que podem ser carregados como uma mochila. A portabilidade leve dos objetos antes desconfortáveis para carregar aponta mais uma vez para o futuro e localiza outra vez o artista nas discussões de ponta da arte.

*Publicado originalmente na edição impressa #3.