Após 15 anos criando cursos performáticos, Benedetti descobre no processo muito mais que uma forma nova de fazer vídeo ao vivo. Ele é pioneiro da prática. Sua trakitana — um conjunto de câmera, TV e videocassete que permite filmar e montar ao mesmo tempo — reinventa de forma bastante original os usos do feedback e da tomada em direto. Como professor em museus, galerias, universidades e espaços independentes, Benedetti reinventa o ensino, ao transformá-lo em linguagem experimental. Faz sentido, se pararmos para pensar no sentido cinematográfico implícito na expressão “montar aulas”, mas poucos cursos levaram a extremos as consequências desta proximidade.
O entrelaçamento de práticas diferencia sua pesquisa, atenta às misturas de gêneros e cruzamentos entre circuitos que se tornaram marca da arte contemporânea. Onde se espera o ao vivo e o improviso como um procedimento da performance, ele surge como dispositivo pedagógico. Onde se espera filmagens e montagens como recurso audiovisual, elas surgem como estratégias plásticas. Onde se espera o aprendizado como motivo de encontros periódicos, ele surge como experimentação e laboratório. É como se os sonhos da Bauhaus e um ensino integrado ganhassem outro sentido, numa época em que autoria e obra são menos importantes que colaboração e processo.
O aspecto presencial da poética de Raimo Benedetti ganha complexidade, na medida em que o artista elimina a diferença entre suas aulas e performances. O exemplo mais significativo deste procedimento é Cinema das Atrações, apresentado em 2013, na mostra Live Cinema. Durante a performance, é impossível distinguir educador e artista, conforme o imaginário do primeiro cinema torna-se material para uma experiência de metalinguagem sobre os sentidos do ao vivo.
Com o DVD Video Experimental, outro aspecto da poética de Benedetti vem à tona. Seria impreciso dizer que os vídeos resultantes de seus cursos são elemento principal. Os vídeos correspondem a uma parte importante, tem autonomia como obras de cinema experimental, mas adquirem um sentido mais potente se atrelados ao contexto de produção. Não cabe pensar o DVD em termos de obras, vídeos explicativos e extras, mas como um grande conjunto que permite acessar as diversas camadas que, nos quinze anos de produção reunidos, foram trançando-se em complexidade crescente.
Filmes como Opus 8 – Amparo 14, os registros de aulas (numerados conforme os grupos que compuseram cada turma) e experiências como Métricos ou Sinestesia revelam um repertório fértil de pensamentos audiovisuais. Mesmo os vídeos silenciosos precisam ser entendidos como audiovisual: o ritmo pressuposto na montagem torna suas seqüências musicais. O universo de cores, de misturas, sobretudo de explicitação das marcas dos processos eletrônicos e digitais através dos quais o material é processado resultam numa sintaxe que, por um lado, dialoga com o universo da visual music e do cinema experimental, por outro sugere uma paleta completamente nova.
O filósofo checo Vilém Flusser tornou-se referência obrigatória para pensar o contemporâneo, em função de suas ideais sobre os dispositivos de produção de imagem e as atitudes críticas necessárias para desmontar as imagens feitas embutidas em seus sistemas. Tendências como o glitch e o circuit bending tornaram popular as práticas de desmonte de aparelhos e o uso de seus ruídos como material para a experimentação. Raimo Benedetti antecipa um pouco dessas tendências, com sua produção que se vale de procedimentos de desconstrução, reciclagem e ressignificação de aparelhos obsoletos, que permitem encontrar, onde se supunha o obsoleto, energias capazes de renovar práticas audiovisuais que vem tornando-se cada vez mais homogeneizadas, como resultado da padronização operada pelo digital e seus aplicativos que simulam, sem desmontar, as imperfeições dos processos analógicos.
Marcus Bastos é professor da PUC-SP e da ECA-USP. É autor de Limiares das Redes: escritos sobre arte e cultura contemporânea (2014)