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Postado em 03/07/2013 - 1:04
Por uma arquitetura para além do espetáculo e do consumo
Convidado da Flip, o crítico Paul Golberger falou com seLecT sobre a proximidade entre museus, cidades e parques de diversões
Anna Dietzsch, em Nova York

Desde a construção das pirâmides, a arquitetura revela seu lado espetacular, pontuando a história humana com estruturas que nos fascinam. Em 2012, na era do consumo e do individualismo exacerbado, o espetáculo se vulgariza para permear nossas cidades e edifícios, nos induzindo a consumir imagens em vez de lugares e espaços. Paul Goldberger, respeitado crítico norte-americano, autor do livro A Importância da Arquitetura, no qual teoriza sobre o papel da arquitetura nas nossas vidas, conversa com seLecT sobre essas tendências e sobre Frank Gehry, considerado por muitos o profissional mais representativo da “arquitetura-espetáculo”. Goldberger está escrevendo a biografia de Gehry, é critico da revista The New Yorker e já publicou vários livros sobre o assunto.

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“Museus hoje são prédios especiais, com uma ambição que a todos afeta, como antes eram as catedrais”, diz Goldberg. (Foto: acervo pessoal do entrevistado)

Em sua visita ao Brasil, no fim do ano passado, o senhor afirmou que “os museus são as novas catedrais”. Poderia falar um pouco sobre isso?

Goldberger Eu não os estava comparando em termos arquitetônicos, mas querendo dizer que ocupam o mesmo plano simbólico dentro de uma comunidade. Museus são hoje prédios especiais, com uma ambição que a todos afeta, como antes eram as ca sutedrais. E não acho que isso seja verdade somente para os museus, mas para o edifício cultural em geral. Veja, estou nesse momento em Los Angeles, em frente ao Walt Disney Hall, de Frank Gehry, e a alguns quarteirões está a catedral desenhada por Rafael Moneo. Acho que, se você trouxer alguém aqui que não conheça a cidade e lhe perguntar qual é a caixa onde se toca música e qual é a catedral, ele provavelmente escolherá o edifício de Gehry para catedral, porque parece ser mais especial.

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Museu Guggenheim Bilbao (Foto: Thomas Kakalik/ Panthermedia/Glowimages)

Hoje somos atraídos pelo consumo onde quer que estejamos. Aeroportos fazem as vezes de shopping centers e museus são projetados como espaços de entretenimento. O senhor não acha que o museu está mais próximo do parque de diversões do que propriamente da catedral?

Não acho que o “efeito parque de diversões” tenha tomado conta de tudo, mas, é claro, tem hoje uma maior representatividade. De uma certa maneira, o parque de diversões tomou conta da cidade e o museu é apenas um dos seus componentes. Antes, não se podia fazer negócio sem a cidade, era ela que aproximava as pessoas para que pudessem comerciar e negociar. Hoje em dia, podemos cuidar dos nossos negócios estando em qualquer lugar, sem necessariamente ficar em contato direto com alguém.

Escolhemos estar nas cidades porque nos dão prazer, nos distraem, nos estimulam, e essas são qualidades inerentes a um parque de diversões. Aqui em LA, por exemplo, se você já foi aos Universal Studios, pode entender isso bem. Aquilo é um shopping center disfarçado de parque temático, ou é um parque que quer ser shopping? A mesma coisa com Rodeo Drive, em Beverly Hills, que é simplesmente uma versão muito chique da Rua Principal na Disneylândia. A confluência entre a cidade e o parque de diversões é um fenômeno interessante das últimas gerações e é inevitável que afete o museu. Mas acho que o museu se beneficia com a grande expansão do seu público e, como nada é de graça, paga um preço por isso. Esse preço é justamente a sua maior comercialização e o fato de que tem de agradar de uma maneira como antes não precisava.

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Rodeo Drive, em Los Angeles (Foto: Superstock/Glowimages)

Na nossa cultura do consumo, coisas tornam-se produtos e a própria arquitetura parece ter se tornad
o um deles. Arquitetos famosos chegam ao status de “marca” e podemos “comprar um Frank Gehry ou uma Zaha Hadid”. O senhor poderia falar sobre esse fenômeno?

Numa época em que muita coisa virou “marca” e as pessoas referem-se a si próprias como “marcas”, não há dúvida de que a arquitetura e os arquitetos também se tornaram “marcas”. Vivemos numa época de culto à celebridade e a arquitetura dificilmente poderia ficar imune a isso. Acho, no entanto, que esse fenômeno tem precedentes. Não conheço ninguém melhor em autopromoção e manipulação da mídia do que Frank Lloyd Wright, que praticou arquitetura há cem anos, tendo morrido há mais de 50. Hoje, talvez esse fenômeno seja mais visível porque a “marca” tornou-se uma forma de identidade em nossa cultura.

A “arquitetura do espetáculo” exacerba a visualidade e, com o advento da tecnologia, a forma passa a ter possibilidades infinitas. A arquitetura é muitas vezes concebida na tela do computador e construída para ser consumida como uma imagem de revista. Qual a sua opinião sobre essa tendência da arquitetura, de relegar para um plano secundário aquilo que é da sua natureza especial? Por que somos mais Lady Gaga e menos Alvar Aalto?

Bom, não há duvida de que a arquitetura de Aalto seja o oposto do superficial e do bidimensional, mas para entendê-lo é preciso também entender a Finlândia, o mundo onde sua arquitetura se inseria. Mas, na época de Alvar Aalto, nem toda a arquitetura era como a de Aalto. É um grande erro pensar que antigamente tudo era sério e apropriado e hoje vivemos no mundo da superficialidade. Nessa, vamos dizer, “era Gehry” tendemos a pensar que é assim, mas me lembro, anos atrás, quando Michael Graves era proeminente. As pessoas achavam que tudo estava sendo feito “à Michael Graves” e reclamavam de que não havia mais “seriedade” na arquitetura.

Quando arquitetos de menor talento tentam imitar algo com certa complexidade acabam produzindo pastiches que, obviamente, serão superficiais. Bons arquitetos criam edifícios que não podem nem devem ser imitados. Somente Frank Gehry pode ser Frank Gehry, da mesma maneira que há poucos que conseguiram fazer uma arquitetura de vidro como Mies (van der Rohe). Mas entendo o que você esta dizendo; creio que Gehry dá a impressão de que é fácil fazer edifícios espetaculares e isso leva a uma arquitetura que é mais superficial.

O senhor pode nos contar sobre o livro que está escrevendo sobre Frank Gehry?

Estou escrevendo uma biografia de Gehry que ainda está muito no início. É um grande desafio, porque é a minha primeira biografia e estou fascinado com a possibilidade de conseguir conectar a obra e a vida numa só narrativa. Muito do que estou tentando fazer é entrar na mente do arquiteto para tentar desvendar por que certas coisas são como são e explicar a história da sua vida em conexão com a sua obra. Poderia dizer que estou escrevendo uma “biografia crítica”

O senhor concorda com a noção de que seus edifícios são mais esculturas do que arquitetura?

Não posso concordar com a noção de que sua arquitetura é puramente escultural, muito embora ache que esse elemento esteja presente com muito mais força em Gehry, do que em outros arquitetos. Se você for ao museu em Bilbao (Guggenheim), verá que a maioria das galerias – fora, é claro, a grande galeria do térreo, com as esculturas de Serra – é bastante tradicional, permitindo o display da arte de forma tranquila e não agressiva. Acho que é um museu bem desenhado e funcional, com os cuidados que um museu precisa.

O senhor acha que outros arquitetos seguiram o paradigma de Gehry, ou sua arquitetura está estritamente ligada a uma história pessoal?

Alguns arquitetos como Owen Moss e Tom Maine se aproximaram de Gehry, trabalhando com sucesso numa direção parecida. Creio que se podia falar, sim, numa Escola de LA, principalmente nos anos 80 e 90. Mas acho que isso se dissipou e hoje pensamos mais em arquitetos como indivíduos, menos em um grupo ou escola. Acho que isso tem a ver com, a arquitetura como “marca” e o fato de que nossa cultura está mesmo empurrando tudo nessa direção. Acontece também com a arte. Não pensamos mais em escolas de pintura ou escultura como antes fazíamos, mas há vários artistas bem-sucedidos que são muito proeminentes e discutidos.

*Publicado originalmente na #select4.