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Luisa Duarte (Foto: Paulo D'Alessandro)
Postado em 11/04/2016 - 5:24
Precariedade de fundo
A crise que abate de maneira extrema a cultura na cidade-sede das Olimpíadas já deixa entre nós algumas lições
Luisa Duarte

Em 2011, escrevi um artigo para o jornal O Globo intitulado “por um equilíbrio de forças”, no qual tentava colocar freios na euforia causada pelo advento da primeira edição da feira Arte Rio. Como o título sinalizava, tratava-se de olhar com algum grau de ceticismo o entusiasmo reinante no meio de arte da cidade, lembrando que outros braços do circuito de arte, como museus e escolas, precisavam se fortalecer para que tivéssemos um quadro que merecesse de fato otimismo.

Esse texto foi escrito em um momento de entusiasmo generalizado. A crise financeira e política não havia abatido o País, tampouco o Rio de Janeiro. Passados cinco anos, o cenário é oposto. O Brasil passa por um terremoto político, cujo fim ninguém parece enxergar, bem como a crise financeira é uma das maiores de nossa história republicana, sendo o estado do Rio um dos mais afetados.

Esse novo cenário se reflete no campo da cultura e da arte. E no Rio de Janeiro o contraste entre os tempos de euforia e os de crise parece se tornar ainda mais evidente, talvez pelo fato de sediar as Olimpíadas, talvez pela vocação perigosa de ser uma cidade/marca que, ancorada em uma belíssima paisagem, recalca seus problemas estruturais. O que parece ficar da lição entre momentos tão opostos é que seria bastante salutar frear a euforia em tempos de bonança, sabendo enxergar as fragilidades de nosso meio, bem como sermos capazes de olhar onde a crise pode virar lucro, no sentido de se renovar a atenção no poder crítico da arte e não ficarmos mesmerizados somente pelos bons ventos que ciclos mercantis virtuosos trazem.

Vejamos dois exemplos da crise atual no estado do Rio na área da cultura. Primeiro, o fim do contrato entre a OS Oca Lage e a Secretaria de Estado do Rio de Janeiro para condução da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e a Casa França Brasil. A parceria, elaborada ao longo de cinco anos, durou somente dois dos cinco anos inicialmente previstos em contrato. Desde julho de 2015, o Estado não consegue repassar um único real para a OS, hoje extinta. Assim, os dois equipamentos culturais voltam para as mãos do Estado com dívidas não quitadas do ano passado – a dívida do Estado com a OS somou R$ 8 milhões até março de 2016 -, falta de recursos para itens básicos como limpeza e segurança e o saldo de dezenas de funcionários demitidos. Por pouco a tempestade não faz ruir a continuidade do projeto pedagógico e curatorial implantado por Lisette Lagnado na EAV, que hoje se encontra mantida no cargo.

MIS Rio (Foto: Marcelo Horn/Subsecretaria de Comunicação Social - Governo do Estado do Rio de Janeiro/Wikimedia)
MIS Rio (Foto: Marcelo Horn/Subsecretaria de Comunicação Social – Governo do Estado do Rio de Janeiro/Wikimedia)

Segundo, a interrupção das obras do novo MIS, na Avenida Atlântica, de frente para a Praia de Copacabana. Fruto de uma parceria entre o Estado e a Fundação Roberto Marinho, o museu, que deveria ter sido inaugurado no fim de 2014 e apareceria como uma grande atração cultural para as Olimpíadas, encontra-se hoje com um horizonte incerto. O Estado não tem previsão de liberar recursos para o restante da obra e um rumor que ainda precisa ser confirmado, mas que merece atenção, seria o de que a FRM não se comprometeu com um orçamento destinado a cuidar do acervo do antigo MIS. Em sendo verdade, trata-se de mais um caso de um museu que se preocupa demasiadamente com a casca, volumes empregados apenas na arquitetura, deixando para trás o cerne de sua vocação: a preservação e exibição da nossa produção cultural.

Assim, a crise que abate de maneira extrema a cultura na cidade-sede das Olimpíadas já deixa entre nós algumas lições. Acolher as parcerias público-privadas como um formato muito bem-vindo, mas com a preocupação de saber que elas somente darão certo tendo por trás um Estado sólido e comprometido. Reivindicar da parte privada do contrato uma precaução com a face perene das instituições, quais sejam, os seus acervos e suas vocações educacionais.

Por fim, uma fala recente do artista Matheus Rocha Pitta proferida por ocasião da abertura da sua mostra Golpe de Graça, em cartaz na Casa França Brasil, que contou com o patrocínio do próprio artista para sair do papel, talvez igualmente nos ajude a pensar sobre como nos relacionamos com a crise: “Neste momento crítico ofereço ao Rio de Janeiro esse gesto ambíguo, tanto violento quanto delicado, que fecha um ciclo institucional apontando para a precariedade de nossos acordos e alianças. Proponho que as instituições brasileiras saiam do armário e assumam sua precariedade. Como já disse em entrevista a Luisa Duarte para o livro ABC, enquanto os artistas fizeram e fazem da adversidade uma potência, nenhum museu brasileiro foi capaz de assumir precário”.

Talvez assumir essa precariedade de fundo e lidar com ela sem recalcá-la possa ser um ponto de partida para um dia, de fato, termos um circuito cultural sólido que passe por crises sem o risco de um colapso total.