icon-plus
Femmes de Tahiti, de Paul Gauguin (Foto: Cortesia CCBB-SP)
Postado em 01/07/2016 - 5:37
Sobre o Triunfo da Cor
Uma iniciativa que traga obras de Cézanne, Van Gogh e Gauguin ao Brasil é digna de celebração, apesar da fragilidade da curadoria
Felipe Martinez

As exposições internacionais tornaram-se uma boa fonte de receita e lucro para os museus europeus, depois que os governos passaram a reduzir o financiamento destinado a essas instituições, no fim dos anos 1990. Por uma alta taxa ocorre um empréstimo tanto das obras quanto da exposição, que são desencaixotadas no destino escolhido, algumas vezes em versões reduzidas e de menor custo. É o que parece ser o caso da exposição O Triunfo da Cor – O Pós-Impressionismo, com curadoria de Pablo Jimenez Burillo, Guy Cogeval  e Isabelle Cahn, e obras dos museus d’Orsay e de l’Orangerie, em cartaz até 7/7, em São Paulo. Uma versão mais completa da exposição já havia sido montada em Barcelona, no fim do ano passado.

Pelo belo e confuso prédio do CCBB-SP, obras de grande envergadura distribuem-se por quatro salas, agrupadas por um critério curatorial pouco consistente. Na primeira sala, há três importantes obras de Van Gogh, as únicas da exposição inicialmente alardeada como tendo o pintor holandês como atração principal. Talvez a insistência em começar por Van Gogh justifique o fato de o cloisonismo ser apresentado antes do pontilhismo, uma solução confusa, já que o primeiro nasce justamente como contraposição ao segundo. Ainda na mesma sala podem ser contempladas belas banhistas de Émile Bernard, claramente inspiradas na pincelada de Cézanne, relação infelizmente não explorada.

O segundo eixo, que gira em torno do pontilhismo de Seurat, peca por não fazer nenhuma menção a Charles Blanc e sua estrela de seis pontas formada por pares de cores complementares, responsável por sistematizar a teoria das cores do químico Michel Eugène Chevreul. Essa teoria, citada no início da exposição, jamais chegaria à pintura sem a estrela de Blanc, e é possível que sequer chegasse ao conhecimento de Seurat. Por outro lado, as obras de Maximilien Luce são um espetáculo à parte, e nos mostram como as tendências de vanguarda foram absorvidas em composições mais tradicionais e ligadas a temas sociais.

Na sala seguinte, sobre Os Nabis, os sublimes painéis da decoração da capela do colégio Sainte-Croix du Vésinet, de Maurice Denis,  com sua luz pervasiva e diáfana, evocam Piero della Francesca, e dão mais uma mostra de como as variadas poéticas dos artistas apresentados são resistentes às generalizações. A própria concepção de pós-Impressionismo, criada para dar sentido a uma exposição realizada pelo pintor e crítico inglês Roger Fry, em 1910, já se mostra problemática ao tentar agrupar manifestações muito diversas em uma rubrica comum. A última sala é a mais problemática no que concerne aos critérios da curadoria. Faz pouco sentido justapor Cézanne e Gauguin e agrupá-los na chave “cor em liberdade”. Nada mais simplista do que aproximar duas poéticas tão fortes e diferentes por uma ideia genérica e pouco fundamentada. Enquanto Gauguin buscava potencial artístico no primitivo, Cézanne tentava recriar um classicismo altamente intelectualizado, conciliando preocupações com forma e estrutura a partir do caminho aberto pelos impressionistas. A incongruência fica explícita na justaposição entre Mulheres do Taiti e Paisagem no Parque Chateau Noir, quando as obras parecem falar contra os curadores. Ainda na mesma sala, enxertado na genérica ideia de cor em liberdade, surge um belíssimo Monet, que faz pensar na ponte japonesa presente no acervo do Masp.

De todo modo, uma iniciativa que traga obras de Cézanne, Van Gogh e Gauguin ao Brasil é digna de celebração, e qualquer problema curatorial torna-se secundário em face da oportunidade de contemplar obras de tamanha importância sem precisar percorrer grandes distâncias. Felizmente, essa é a função que os quadros cumprem em uma exposição onde a força das obras compensa a fragilidade da curadoria.