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Postado em 19/02/2015 - 8:34
Transparência como método
Paula Alzugaray

Primeira mostra do Masp sob nova direção tem como proposta curatorial a exibição do processo

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Legenda: Vista da montagem da exposição (foto: Ricardo van Steen)

O recado é dado logo na entrada da sala do primeiro andar do Museu de Arte de São Paulo, dedicada às exposições temporárias. A escultura-palavra AR – Cartilha do Superlativo (sem data), de Rubens Gershman, adverte o visitante sobre as intenções da nova diretoria artística do museu, a cargo de Adriano Pedrosa desde novembro de 2014: a ordem é arejar o acervo e redescobrir a arquitetura do museu.

Sem lista fechada de obras nem data certa para terminar, Masp em Processo é uma exposição em permanente estado de pesquisa e montagem. Integram a mostra pinturas de diferentes épocas e origens, pinçadas do acervo de 8 mil peças do museu, de acordo com tipologias definidas pela curadoria: nu feminino, retrato feminino, retrato masculino, paisagem, grupos na paisagem, religião, natureza-morta, abstração etc. Nenhuma das obras tem garantia de ficar exposta. A única certeza que se pode ter é de que funcionários e instrumentos estarão no espaço expositivo, até o último dia em cartaz, a serviço de trabalhos de montagem e desmontagem. Embora as tipologias coincidam com gêneros tradicionais da história da arte, a aproximação entre as obras não é nada convencional e responde a uma lógica contemporânea – expor o processo.

As poéticas do processo e as apologias da deriva são pesquisas referenciais da arte contemporânea. Ganharam protagonismo nos anos 1970, quando as ideias passaram a preponderar entre as estratégias usadas na elaboração da obra de arte, e quando se impõem a transitoriedade dos meios e a efemeridade dos materiais. É natural, portanto, que Cristina Freire tenha seguido um raciocínio processual em sua pesquisa sobre a coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP, dada a característica conceitual das obras do acervo estudadas. Muito menos previsível é a decisão de Pedrosa em adotar essa metodologia para trabalhar um acervo predominantemente de arte moderna e arte europeia do século 19.

Temos aqui justaposições e sobreposições temporais tanto no que diz respeito às obras expostas como nos caminhos escolhidos pela curadoria, que na montagem adotou o “estilo salon europeu do século 19”, em contraste com a amplitude do espaço moderno do edifício de Lina Bo Bardi. O que está em exposição, descobre-se, não são apenas obras do acervo organizadas e aproximadas de forma surpreendente e contemporânea, mas as próprias diretrizes da curadoria em busca de mais transparência para o museu.

Tudo está em estado transitório. Quando seLecT visitou a mostra, os contemporâneos entre si El Greco e Francisco de Zurbarán, ativos na primeira metade do século 17, na Espanha, dividiam a parede com um São Francisco de Portinari (1941), um Cristo Abençoador de Ingres (1834), uma Virgem de Copacabana de pintor desconhecido da Arte Cusquenha, e um enigmático Babalu (Figura com Máscara Negra) (1967), de Iray Hirsch, sobre quem não consta uma linha nos arquivos historiográficos do Masp.

Outros pintores pouco contemplados pela historiografia da arte brasileira, como Miguel dos Santos, vêm à luz em posicionamentos não muito distantes dos quadros mais icônicos do museu, como As Meninas, de Renoir, ou Cinco Moças de Guaratinguetá, de Di Cavalcanti. Em sinal de despojamento total, a curadoria chegou à extravagância de aproximar Menino Chorando, exemplar da arte kitsch, com um retrato masculino feito por Victor Meireles e um autorretrato de Pancetti.

Foram arejados também uma pintura sobre tela do muralista Diego Rivera e Os Retirantes (1944), de Portinari, escolhidos pelo público da exposição, convidado a participar do processo curatorial a partir de janeiro, pedindo obras que quer ver, depois de consultar o catálogo no site do museu ou no saguão da exposição.

Finalmente, integram também a exposição as obras de “arqueologia” da arquitetura do museu, que acontecem no subsolo, onde estão sendo removidas paredes e intervenções acumuladas em décadas de desrespeito a um dos maiores ícones da arquitetura brasileira. Masp em Processo é, portanto, uma maneira auspiciosa de iniciar uma nova gestão. Não só porque desmitifica a relação do público com a arte, mas porque anuncia que padrões e convenções estão sendo quebrados. Enquanto outros serão finalmente reabilitados, como os cavaletes de vidro de Lina.

Masp em Processo, até fevereiro, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, Av. Paulista 1.578, SP

*Review publicado originalmente na edição #22