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Postado em 18/07/2015 - 4:10
Vista para Grã-Bretanha
Camila Régis

Em entrevista exclusiva à seLecT, curador Richard Humphreys fala sobre exposição dedicada à paisagem britânica que ocupa a Pinacoteca, em São Paulo

 

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William Turner, (1775-1851), “Dido and Aeneas [Dido e Enéias]”, exposta em 1814, óleo sobre tela. (Foto: © Tate, London 2015)
Poucas obras são mais icônicas na arte britânica do que as telas de William Turner (1775-1851). Desde seus primeiros trabalhos, mais acadêmicos, até sua fase final, de quadros que beiram o abstracionismo, o pintor inglês deixou um legado na história da arte europeia. Nomes de peso como Turner, ao lado de outros como John Constable (1776-1837), George Stubbs (1724-1806) e Thomas Gainsborough (1727-1788), ocupam, a partir deste sábado (18), a Pinacoteca de São Paulo com a exposição “A paisagem na arte: 1690-1998 | artistas britânicos da coleção da Tate”.

Com curadoria de Richard Humphreys, a mostra apresenta um ambicioso panorama da paisagem britânica realizada ao longo de 300 anos. Além dos artistas significativos do século 17, 18 e 19, a exposição também se dedica ao século 20, com obras de nomes como Richard Long, exibindo a drástica reinterpretação que o conceito de paisagem recebeu dos artistas mais contemporâneos. Conversamos com Humphreys, curador da Tate Britain, sobre conceber uma grande exposição, a influência estrangeira na arte britânica e a transformação da paisagem ao longo dos anos.

Como foi escolher trabalhos de períodos históricos tão distantes entre si?

Queria mostrar uma longa história para dar às pessoas uma ideia de desenvolvimento através do tempo. Você pode ver diferentes tipos de arte que retrata paisagens se desenvolverem. Era importante ter muitas obras. E também quis mostrar períodos históricos diferentes e, dentro deles, as distintas evoluções que ocorreram na pintura da paisagem. Foi difícil porque existe muito dessa arte na Tate. Mas a partir do momento que se estabelece um enquadramento, é possível encontrar o tipo de trabalho que se encaixa em cada seção. Então, foi um processo em parte intuitivo, em parte histórico. E, claro, era necessário também escolher obras bonitas.

As diferenças entre os trabalhos antigos e recentes é bastante evidente. Como foi adaptar uma temática clássica – a pintura de paisagem – para uma arte mais contemporânea?

Não foi muito difícil, mas claramente houve um momento de grande mudança nos anos 1960. É quando surgem muitas ideias sobre o que é arte. Com Richard Long, de repente, temos um grande salto. Estavam todos indo para um lado e ele apontou para outra direção. Contudo, se você olhar, o final da exposição é bastante tradicional. Temos Long, muitas pinturas e imagens tradicionais. Foi interessante percebe os novos artistas adaptando seu interesse por paisagem aos novos meios de fazer arte. Existe uma grande mudança na última parte da mostra, porém, de uma maneira estranha, parece um caminho bastante natural.

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Richard Long (1945), “Two Straight Twelve Mile Walks on Dartmoor, England”, 1980, serigrafia sobre papel. (Foto: © Tate, London 2015)

Trata-se de um projeto ambicioso e especificamente britânico, já que fala sobre a arte da Grã-Bretanha. Como foi pensar esse tipo de mostra para o contexto brasileiro?

Obviamente, discuti algumas questões com a Pinacoteca e surgiram duas ideias. Uma delas era escolher trabalhos que tivessem grande apelo visual. A segunda foi que eles me falaram que boa parte da arte brasileira se desenvolveu a partir da tradição europeia. E boa parte desta arte britânica aqui é parte da tradição da Europa. Existem muitos links que se pode fazer se você subir no andar superior da Pinacoteca, por exemplo. É possível fazer as mais variadas conexões entre estas duas histórias da arte – a brasileira e a europeia.

Em relação às obras mais antigas, podemos dizer que pintores britânicos foram influenciados pela arte estrangeira. Existem exemplos como Richard Wilson, que estudou na Itália. Quais características mais evidentes que vieram de fora da Grã-Bretanha que ajudaram a criar o estilo local?

O aspecto mais importante da arte europeia dentro da arte britânica, a partir do século 18, aconteceu através dos grandes pintores clássicos franceses do século 17, que incluem Claude Lorrain e Nicolas Poussin. Esses dois têm grande impacto em colecionadores e artistas britânicos. Wilson morou em Roma na década de 1750, estudou lá e a maioria dos artistas viajavam para a Itália. Isso foi algo tremendamente importante. Podemos perceber que não havia apenas referências vindas da pintura. Elas vinham também da arquitetura palladiana e também da tradição clássica da cultura italiana e latina. Pessoas com muito dinheiro e terras chegavam a transformar totalmente suas propriedades para que se parecessem com as paisagens aos arredores de Roma. Existe uma grande propriedade na Inglaterra chamada Stourhead, com uma imensa casa clássica. É possível ver que a paisagem foi totalmente transformada com lagos e templos. Eles tinham até um velho sentado no templo para que, enquanto os convidados passassem, ele dissesse algo em latim. Você pode ver que existia toda uma fantasia e acredito que essa foi a influência mais importante nas primeiras obras. E claro, havia também a arte holandesa. Thomas Gainsborough e John Constable foram bastante influenciados pelos grandes pintores holandeses do século 17.

Entre mais de 100 trabalhos, existe algum especialmente importante na exposição?

Acredito que a obra mais significativa seja este trabalho de [John] Constable [“Chain Pier, Brighton” (1826-7)]. É grande e foi feito para uma exposição da academia, então não é apenas uma obra privada. É também peculiar porque ele geralmente pintava uma parte específica da Inglaterra, sua cidade natal, mas nessa tela aparece Brighton, uma área costeira que estava se tornando um lugar da moda, na época. Constable odiava Brighton porque estava cheia de pessoas da cidade, que construíam novos prédios terríveis. Elas estavam destruindo o velho mundo da vila de pescadores, que era algo que Constable adorava. É uma pintura linda, com efeitos incríveis de luz do céu, parece que você está dentro do quadro. E se você notar, ele colocou todo o velho mundo no primeiro plano, e prédios novos, casas de férias, no fundo. É um período em que pessoas iam muito à praia e ele escreve sobre isso em suas cartas. Constable dizia “odeio isso, é vulgar, é moderno demais, está destruindo o velho mundo”.

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John Constable (1776-1837), “Chain Pier, Brighton”, 1826-7, óleo sobre tela. (Foto: © Tate, London 2015)

Quais obras aqui são mais próximas de você como curador?

Frequentemente são as peças menores, que passam uma sensação mais “íntima”, digamos assim. Gosto bastante deste trabalho de Paul Nash [“Landscape from a Dream” (1936–8)]. É uma pintura bem tradicional e tem uma estrutura básica, mas tem um fator de mistério, sonho, algo quase metafísico. É como se o surrealismo se encontrasse com a pintura tradicional de paisagem e gosto bastante disso. Não é uma grande imagem e não é muito dramática, mas é misteriosa. E tenho a sensação que posso atravessar o espelho e ir para outro mundo. Mas isso é bastante pessoal.