icon-plus
Postado em 25/02/2013 - 4:53
50 metros de cor
Giselle Beiguelman, de Buenos Aires

Franz Ackermann apresenta obra inédita no Faena Arts Center, em Buenos Aires, e planeja a primeira pintura em preto e branco, depois da experiência fotográfica na capital argentina


Inaugurada no início de novembro, a exposição do artista alemão Franz Ackermann no Faena Arts Center tem 50 metros de comprimento e cerca de 10 metros de altura. Obra especialmente comissionada pelo centro cultural – inaugurado em 2011 com intervenção do brasileiro Ernesto Neto – foi produzida no estúdio do artista, em Berlim, e finalizada no local.

Parte do vasto empreendimento de 3.500.000 metros quadrados do empresário Alan Faena, que inclui um hotel – o Faena Hotel –, e um conjunto de prédios residenciais e áreas públicas, o Faena Arts Center, localizado no edifício de um antigo moinho, abriga agora também o L.E.A., Laboratório de Arte Experimental, devotado ao trabalho processual de jovens artistas, e um prêmio – Premio Faena de Artes, no valor de 75 mil dólares para o artista selecionado. Nesse ambiente de fartura e de renovação urbana apoiada na combinação entre especulação imobiliária e cultura, em Puerto Madero, floresce, entre muitos Fs estampados em tapetes vermelhos e nas fachadas, o Faena District, onde seLecT encontrou Ackermann.

Para produzir a obra, Ackermann ficou em Buenos Aires durante dez dias, tendo feito várias vezes o percurso da linha do trem que passa em Puerto Madero, de bicicleta e a pé. Esteve devotado ao projeto durante três meses, pintando e resolvendo questões técnicas acerca do suporte, em seu estúdio, em Berlim, com uma equipe de dez pessoas. “Havia uma ideia inicial de combinar uma pintura em grande escala com fotografia, mas não sabia como”, contou o artista. “Ao conhecer o local, no contato com o rio (da Prata) e a linha férrea, decidi que faria duas grandes linhas. Depois, veio o enfrentamento com a questão técnica – como fazer e transportar uma obra com essas dimensões?” Encontrou um tipo de madeira leve e produziu a obra nela, em pranchas de 6 metros cada, que acabaram resultando em 21 telas pintadas. “No fim, essas são as questões mais importantes. São as que decidem se a obra vai desabar ou não”, diverte-se.

Na conversa a respeito da obra, ele narra suas impressões sobre Buenos Aires e as primeiras ideias de uma obra futura, que talvez seja sua primeira pintura em preto e branco.

Você trabalha com o conceito de mapas mentais na sua pintura. O que você particularizaria nesses mapas de Buenos Aires?

A principal questão sobre Buenos Aires é a relação entre essa nova área, Puerto Madero e o Faena District, com a cidade como um todo e sua longa tradição histórica. Procurei conectá-las pelos seus meandros, pelo que existe entre a água – o rio – por um lado, e o subúrbio, por outro. Achei que seria interessante juntar tudo, inserindo uma série de imagens que não são de pontos bonitos da cidade, mas que são parte dela e é importante que constem para que se capture uma imagem da cidade em sua plenitude.

Como você relaciona as cores que pintou e produziu com as imagens da cidade?

Muito mentalmente. Eu chamei essa obra de Walking South, porque é a única maneira de se caminhar por aqui. Ir da Boca a Palermo é uma relação muito forte de deslocamento entre o sul e o norte. Mas o processo todo é muito mental e numa dimensão dessas, dessa escala de pintura, é impossível calcular previamente cada foto, cada cor, cada imagem. Então optei por trabalhar em “capítulos”, focalizando cruzamentos de estradas, janelas, um cachorro, um grande estádio.

Fale um pouco sobre o processo de criação das cores. Algumas carregam tons bastante artificiais.

As cores artificiais são mais importantes do que as naturais. Todas são integralmente compostas de mistura de tinta, sem nenhuma passagem por teste em computador ou simulação. A etapa crucial é calcular a luz natural, as condições de iluminação e as vizinhanças das cores pintadas, que é o que cria as diferenças de percepção e contexto, de um mesmo rosa, ou um mesmo violeta, ao longo do quadro. Testo bastante as telas na luz do dia e de noite, mas é preciso ter em mente que não se pode controlar totalmente o processo, pois a luz muda muito ao longo do dia e em cada lugar.

Se você tivesse que definir Buenos Aires para alguém que não conhece a cidade, o que diria?

Uma das coisas que diria é bastante conhecida e diz respeito à arquitetura, que é uma espécie de colagem. Não tem uma linha contínua nas edificações e isso dá à cidade um aspecto cosmopolita, com influências da França, Inglaterra etc., misturadas a algo próprio, muito sul-americano. Essa situação de descontinuidade, de padrões que se configuram em determinados pontos, tentei reproduzir na obra.

Em Walking South, a fotografia teve um papel importante na elaboração e finalização da obra. Como você relaciona a pintura com a fotografia?

O que mais me chamou atenção foi a passagem do analógico ao digital. A portabilidade das imagens, a nossa capacidade de capturar e transmitir de qualquer ponto do globo é impressionante e poderosa hoje, especialmente do ponto de vista documental. E tudo aquilo que se pode adicionar depois, transformando essa documentação em outra coisa, é o mais importante. Pessoalmente, abre-me todo um novo horizonte de possibilidades criativas, de confronto entre o cotidiano e as formas de ilusão, em que ambas confluem para uma nova experiência da liberdade. Um trabalho como esse, 20 anos atrás, seria proibitivo ou, no mínimo, um desastre.

Algum motivo para que as fotos sejam em preto e branco?

Produzi-las em preto e branco é mais um gesto de artificialidade. Além disso, há o confronto com a cor da pintura. Penso que, mais cedo ou mais tarde, aparecerá em meu trabalho uma faixa de fotos coloridas. Daí, logicamente, eu talvez produza minha primeira pintura em preto e branco. Nada como realizar um trabalho para que apareça uma ideia nova….

*Publicado originalmente na edição impressa #9.