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Postado em 01/09/2011 - 6:35
A bienal da clonagem?

A 54a Bienal de Veneza sinaliza e consagra a cópia e a apropriação paródica como tendência de processo criativo

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Sturtevant protagoniza Nu descendo a escada apres Duchamp. Foto: Cortesia galeria Thaddaeus Ropac

Por Angélica de Moraes
De Veneza

Poucas vezes na história recente da Bienal de Veneza uma premiação definiu de modo tão certeiro uma tendência da produção artística. Nesta 54a Bienal, a norte-americana Sturtevant ganhou, aos 81 anos de idade, o troféu pelo conjunto da obra. Uma produção controversa, que afirma identidade pela cópia fiel de obras famosas ou pela paródia ácida de muitas delas.

A cópia assumida como linguagem e a alusão como comentário de visualidades hegemônicas estão presentes em vários momentos desta edição da bienal. Tanto na curadoria-geral como nos pavilhões nacionais e, mesmo, em exposições realizadas em paralelo, por instituições com sólido acervo. A caça a supostas contrafações é um divertido e labiríntico jogo de identificação. Quem apostar na originalidade perde. Quem gosta de ler o originalíssimo escritor argentino Jorge Luis Borges e sua fixação por espelhos e duplos vai amar.

Sturtevant, além de exibir trabalhos na área externa da Bienal, no Arsenale, é das grandes homenageadas do museu Punta della Dogana, uma das magníficas sedes que o megaempresário francês François Pinot mantém em Veneza para abrigar sua coleção. A outra é o Palazzo Grassi. Em ambas, a clonagem está na ordem do dia. E Jeff Koons reina, soberano, por toda parte.

No Punta della Dogana, armazéns aduaneiros do século XVII transformados internamente por Tadao Ando em joia arquitetônica contemporânea, Sturtevant tem uma sala dedicada a famosas obras de Marcel Duchamp. Com direito a sacos de carvão recobrindo o teto (como na protoinstalação que Duchamp fez em 1918), a indefectível Fountain (Urinol, 1917) e, mesmo, uma versão de Nu Descendo a Escada (o original duchampiano é de 1912), com a então jovem Sturtevant fazendo o papel da modelo do quadro.

Mais adiante, ainda no Dogana, Sturtevant clona obra de Felix Gonzáles-Torres (Light Strings, de 1993), instalação com cordões de lâmpadas acesas que pendem do teto e se enrodilham no chão. Idêntico ao original. Apenas a legenda nos diz do engano. A aura da obra de arte, preciosa no passado, fica em cacos. Sturtevant é impiedosa.

No pavilhão coreano, Yongbaek Lee mostra Pietá: Self-Death (Pietá: a Própria Morte) moldada em plástico, que remete à Pietá de Michelangelo. O festival de cópias e paródias continua na novíssima Fondazione Prada, que a empresária Miuccia Prada abriu na mesma semana da inauguração da 54a Bienal. Lá, o enfant terrible Francesco Vezzoli exibe imagens fotográficas que duplicam e homenageiam, com ce- lebridades atuais, estrelas de outros tempos. Uma delas é a extasiante Santa Teresa, do escultor Bernini, encarnada por Eva Mendes, atriz de blockbusters tipo Velozes e Furiosos.

Obras de Vezzoli também podem ser vistas no Palazzo Grassi, entre elas o filme Marlene Redux, em que a diva alemã Marlene Dietrich é protagonizada por uma idosa Anni Albers, a mítica artista têxtil da Bauhaus e viúva do pintor Josef Albers (1888-1976). Anni não pede para ficar sozinha, mas crava, olho fixo para a câmera: “Glamour é uma commodity muito cara, querida”. Anni Albers