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Postado em 13/02/2012 - 9:16
A era do capitalismo fofinho e seus dissidentes
Giselle Beiguelman

A Web 2.0 celebra um mundo cor-de-rosa e sem conflito, mas há formas de ocupação que questionam o que vem sendo chamado de “a economia neoliberal dos likes”

O processo de globalização colocou os teóricos diante da necessidade de dar conta, sob novas perspectivas críticas, da reconfiguração cultural e política da ordem mundial. 

O capitalismo, que até o fim dos anos 1980 foi tratado como o vilão conceitual por excelência do mundo acadêmico – especialmente na Europa e na América Latina – precisava, diante da crise das utopias de esquerda do século 20 e dos modelos revolucionários tradicionais, ser reavaliado. Não por acaso, desde meados dos anos 1990, vêm sendo formuladas definições de diferentes matizes ideológicos sobre o tema.

Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do referencial A Sociedade em Rede, vivemos hoje um capitalismo informacional e baseado na produção, consumo e circulação de informações. Para Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, o que vigora é um capitalismo cognitivo, em que a posse do saber é a riqueza (e não mais a posse do trabalho do outro). Até Bill Gates arriscou o seu conceito _ capitalismo criativo _ conclamando os grandes empresários a investir parte de seus lucros em atividades sociais.

A essas definições propomos mais uma: capitalismo fofinho. Trata-se de um regime cuja lógica se explicita na iconografia da Web 2.0. Ele celebra, por meio de ícones gordinhos e arredondados, um mundo cor de-rosa e azul-celeste que se expressa a partir de onomatopeias e exclamações pueris. 

Essa celebração opera por meio de um design de informação, cujo objetivo parece ser suprimir a possibilidade de conflito. A forma mais bem acabada desse tipo de design é a do Facebook, o empreendimento online mais bem-sucedido de todos os tempos.

Espaço de relacionamento protegido, espécie de jardim murado de redes dentro das redes, o Facebook é uma máquina de aceitação feliz do mundo. O pai do seu amigo morreu? O Japão foi inundado por um tsunami? A jornalista sumiu na Líbia? Ótimo, você pode apertar o botão Like e curtir isso tudo com seus amigos. No limite, isso cria uma verdadeira rede antissocial, pois esse modelo tende à rarefação dos conflitos, uma vez que suprime a necessidade de negociação entre as partes.

Consolidam-se aí mundos planos, de comunidades cujos membros replicam os gostos uns dos outros e no qual entram apenas aqueles que são nossos semelhantes. Isso não implica, porém, que organizem redes de inteligência coletiva ou vocação para o comum. Pelo contrário, fomentam, paradoxalmente, uma aspiração individualista que calibra o sucesso de sites como Is It Old?

O Is It Old? é um programa de busca que pretende proteger seus usuários de passarem por trouxas. “Antes de fazer papel de bobo quando envia um link para seus amigos, colegas ou seguidores no Twitter, insira-o aqui para ter certeza de que é novo o bastante”, adverte a home page. Caso já tenha sido tuitado mais de uma meia dúzia de vezes, o site vocifera: “Ridiculamente velho! Isso já está cheirando mal. Já foi tuitado 120 vezes e há mais de 200 dias”.

Contudo, são em grande parte os mecanismos disponíveis nas redes sociais e no seu imaginário o que permite também a articulação de novas formas de fazer política, grupos de contestação que estão dando cara ao século 21, como ficou patente com a Primavera Árabe, as ações do WikiLeaks e dos Anonymous, todas bastante discutidas nas mídias de todos os portes.

Mais diluídas e, no entanto, cada vez mais constantes são as infiltrações que se espalham nas redes sociais, através do Twitter e do Facebook, e tensionam o campo do design de informação e a retórica do mundo sem pontas e sem perigos do capitalismo fofinho.

Trata-se de uma ocupação da web que se dá na periferia e nos interstícios das redes corporativas, contestando o que vem sendo chamado da economia neoliberal dos likes (ícones de aprovação do Facebook), que se justificam pelas suas ações pontuais e locais. 

São verdadeiras Zonas Autônomas Temporárias – uma conceituação de Hackim Bey para grupos que se unem em razão de objetivos comuns, em formatos não hierárquicos, como bandos efêmeros.

Um bom exemplo disso foi o #SOPAblackout, que uniu ativistas, Wikipedia e sites de corporações, como Google e Flickr, contra a votação da lei antipirataria norte-americana, no dia de sua apresentação à Câmara dos Deputados nos EUA, retirando mais de 100 mil sites do ar por um dia. (Leia especial sobre o assunto aqui).

Outras formas de ocupação que também questionam as dinâmicas do capitalismo fofinho são movimentos como o Occupy Cyberspace, que propõe a formação de uma rede social dos ativistas do OWS, a Global Square, e redes alternativas, como a Diaspora e Unthink.com, em operação desde o ano passado.

Extremamente bem cuidadas do ponto de vista do webdesign – clean no caso da Diaspora, e contemporâneo no da Unthink –, apostam em uma estética menos infantilizada e em políticas de preservação da privacidade de seus membros. 

Comprometidos com agendas transformadoras, buscam, acima de tudo, outros parâmetros de sociabilidade que não redundem em uma abordagem quantitativa das afetividades balizada pela competição por números de amigos e seguidores.

Na mesma direção, com plataformas menos ambiciosas, porém não menos críticas, merecem destaque projetos como o Hatebook, que parte do pressuposto de que ninguém tende a ser mais seu amigo do que o inimigo do seu inimigo, e o My Frienemies, no qual nos cadastramos com informações sobre o que não gostamos.

São nesses espaços que a ideia de ocupação, palavra prenhe de significados militaristas, ganha novas dimensões propondo um território de confluências e objetivos temporários, baseados em princípios que não cabem mais em cartilhas de esquerda e direita, mas que pressupõem a construção coletiva de novas agendas comuns. 

Elas reinventam as formas de sobrevivência, de convivência e especialmente de fazer política, que deixam de ser feitas na internet, ou fora dela, para vazar nas redes de todos os tipos e formas.

Publicado originalmente na edição impressa #4.

Confira as imagens na galeria acima. Com exceção da primeira, de Bruno Pugens, especialmente criada para este artigo, todas as outras são do projeto Occupy Design