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Postado em 07/06/2012 - 11:12
A matrix tropical
Giselle Beiguelman

Elevadores do Morro do Cantagalo são marco do urbanismo plug-in. Desafio agora é pensar dinâmicas a partir dos novos fluxos que as conexões de seu trânsito promovem

Matrix_tropical

O Rio de Janeiro não é exatamente uma cidade, mas uma espécie de universo paralelo. Um giro permanente entre tudo que é uma coisa e é outra também. A clássica oposição montanha e mar é só um de seus traços paradoxais característicos. Ser metrópole intensa com cara de férias, outro. Mas existem vários.

Um ponto de vista privilegiado para esse horizonte de complexidade são os elevadores implantados no Morro do Cantagalo, em Ipanema, há dois anos. Com capacidade para transportar até cem pessoas distribuídas em suas duas torres, estão diretamente ligados à estação General Osório do metrô e integram o complexo Rubem Braga, que envolve transportes, obras arrojadas de engenharia e Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Olhando o morro de cima do Mirante da Paz, a 54 metros de altura do solo, é impossível não imaginar o impacto social que uma obra dessas teve e tem no fluxo diário dos moradores da comunidade do Cantagalo, onde vivem 10 mil pessoas, que desciam e subiam o penhasco em degraus íngremes.

Impossível não pensar também na proximidade entre um dos metros quadrados mais caros do mundo e a favela. Nesse entrecruzamento, a arquitetura pós-tudo das torres convert-se em um espelho retrovisor do passado recente do Brasil. Basta contemplar os edifícios antes luxuosos, erguidos entre os anos 1960 e 1970, com vista para o mar e que na sua impossibilidade de convivência com as favelas, a quem literalmente dão as costas, e logo se transformaram em prédios murados, de janelas entrincheiradas, retrato explícito de ataque e contra-ataque e vice-versa duas vezes.

Sem propriamente remediar nada, nem exatamente corrigir pontualmente algo, outro urbanismo está se impondo aí nesses elevadores. É um fenômeno que tem relação com o processo de pacificação que turbinou o empreendedorismo, dinamizando a economia interna nas comunidades e se explicita em uma constelação imobiliária, implicando a diminuição, em 45%, da diferença entre o imóvel mais caro e o mais barato na cidade.
Como o teleférico do Morro do Alemão e outras ações que vêm ocorrendo no Rio de Janeiro recentemente, é um urbanismo plug-in, que se conecta às coisas, estabelecendo a possibilidade de as ligações existirem e não fazendo as ligações. Impõe o desafio de pensar dinâmicas socialmente justas e criativamente produtivas, que se façam a partir dos novos fluxos que as conexões desse trânsito emergente, e cada vez mais intenso, geram. A Matrix tropical vai decolar.

*Publicado originalmente na edição impressa #5.

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