O poeta romano Ovídio conta que Galatea foi uma estatua talhada em marfim pelo escultor Pigmaleão, rei da ilha de Chipre. Objeto de paixão incondicional de seu criador, Galatea ganhou vida pelas mãos de Afrodite, deusa do amor. Esse mito associado a ideais de beleza e perfeição dá nome à mais nova galeria de arte paulistana, uma sociedade entre Tomás Toledo, ex-curador chefe do Masp, Antonia Bergamin e Conrado Mesquita.
Mas por que eleger um mito clássico, estruturante do pensamento ocidental, quando a sociedade brasileira vive o redescobrimento de narrativas e vozes soterradas? “Sim, trata-se de um imaginário que faz parte da cultura ocidental com a qual estamos lidando, e com a qual a sociedade brasileira também está em fricção e contato. Mas nos atemos com esse nome à ideia da fricção entre o desejo e a paixão do artista pelo seu fazer; além do poder da arte em dar vida e transformar o mundo”, diz Tomás Toledo à seLecT.
A proposta de trabalhar com artistas de origens, contextos e gerações diferentes é o que coloca a Galatea no território da diversidade. “Trabalhamos com a beleza em suas múltiplas manifestações e percepções. Matrizes de pensamento diversas, da arte indígena à afro-atlântica, estão todas aqui misturadas, com as suas confluências e violências”, completa.
Isso se expressa na programação do primeiro ano de atividade. As primeiras ações colocam em cena um jovem artista contemporâneo da nova cena carioca, Allan Weber; o artista de origem indígena Chico da Silva (1919-1985); uma curadoria sobre geometria na arte brasileira, desde a segunda metade do século 20; e uma individual de José Adário (1947), artista baiano vivo e ativo, à margem da historiografia e do mercado.
RESGATE HISTÓRICO + PESQUISA CONTEMPORÂNEA
Os sócios apostam em seus repertórios individuais para sustentar o modelo híbrido da galeria, que coloca igual foco nos mercados primário e secundário (que preferem chamar de mercado de revenda), e em arte moderna e contemporânea.
Toledo encontra no novo projeto um terreno fértil para suas pesquisas de campo sobre a jovem arte brasileira. Mesquita, marchand e colecionador carioca que atuou por 15 anos com o pai na Ronie Mesquita Galeria, traz para o projeto seu know how em pesquisa histórica e “grandes achados” em contextos relacionados à arte concreta e neoconcreta.
“Muitas galerias estão tentando se adaptar a essa nova realidade, já que em geral trabalhavam originalmente com nichos específicos. Mas isso engessa e acaba dando errado, porque os interesses do mercado vão mudando. O que é importante hoje, pode não ser amanhã. A gente tem que ter essa liberdade para tanto falar de assuntos atuais quanto resgatar artistas”, diz Antonia Bergamin, que foi sócia-diretora da Bergamin&Gomide entre 2012 e 2021.
A Galatea inaugura em novembro no antigo endereço da Bergamin&Gomide, com uma individual de José Adário. Antes, participa da SP-Arte, em agosto, com a coletiva Tramas Brasileiras, sobre manifestações da geometria na arte brasileira; participa da feira Independent 20th Century, em Nova York, com uma representação solo de Chico da Silva; e da ArtRio, em setembro, com uma representação solo de Allan Weber.