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Vista de Abdias Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra, na Galeria Mata, Inhotim (Foto: Divulgação)
Postado em 10/02/2022 - 2:58
Abdias Nascimento abre espaço em Inhotim
Parceria entre o instituto mineiro e o carioca IPEAFRO aponta mudanças e desejos institucionais para os próximos anos

Pela primeira vez na história de Inhotim, o instituto recebe um outro museu em seus 140 hectares de área. Abdias Nascimento criou em 1950 o Museu de Arte Negra (MAN), uma iniciativa do Teatro Experimental do Negro (TEN), idealizado pelo artista em meados de 1940. O TEN – no qual, entre diversos outros talentos, atuou Ruth de Souza – defendia a valorização social do negro no Brasil por meio da educação, da cultura e da arte, sendo pioneiro na dramaturgia modernista e base para o desdobramento do MAN. Criado há mais de 50 anos, o museu se caracteriza como uma instituição precursora em sua proposta de evidenciar as várias características da arte negra presentes na arte moderna. Seu acervo reuniu obras de artistas negros e também de artistas brancos que abordavam a estética da negritude, uma questão discutida no 1º Congresso do Negro do Brasil, organizado pelo TEN. 

A parceria entre o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) e Inhotim resulta em um projeto expositivo dividido em quatro atos, cada um com duração de cinco meses. Abdias Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra, título do primeiro ato, em cartaz até 10/4, expressa a função do TEN e do MAN na transição do moderno ao contemporâneo no Brasil, sinalizando o diálogo temático e estético entre Tunga, um dos maiores expoentes da arte contemporânea brasileira, e Abdias Nascimento, figura central da arte negra no país.

Tunga (de frente) e filho de Abdias Nascimento, Bida, experimentando arte. Na imagem, também é possível identificar a pintura de Tunga, guardada por mais de 50 anos por Nascimento e que fez parte da coleção do MAN. (Foto: Acervo IPEAFRO / Divulgação)

Elos familiares
A relação entre essas duas figuras é de longa data. Tunga cresceu convivendo com Abdias, já que suas famílias estabeleceram uma grande amizade durante a participação de Nascimento e do poeta Gerardo Mello Mourão, pai de Tunga, na aliança poética Santa Hermandad Orquídea. Foi Mello Mourão, inclusive, que indicou Nascimento pela primeira vez ao prêmio Nobel da Paz, em 1978. O estreitamento de relações foi determinante para Abdias no processo de constituição do acervo do MAN, composto por doações de artistas de países por onde o escritor passou, como Brasil, Estados Unidos e Gana. Tunga, aos 15 anos, já realizava doações ao museu.

“Começamos a pensar nas possíveis relações de Abdias com Inhotim em outubro de 2020, quando realizamos o primeiro encontro com Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias e cofundadora do IPEAFRO”, afirma Douglas de Freitas, curador de Inhotim, em entrevista à seLecT. “Estávamos em busca do sentido dessa aproximação e foi então que decidimos assumir a rede de relações de Abdias, muito importante para a criação do museu, que se dá por meio de afetos. Tunga era a resposta”. Segundo o curador, o artista pernambucano foi um grande amigo do colecionador Bernardo Paz, fundador de Inhotim. A proximidade com a produção de Tunga foi um dos principais motivadores do interesse de Paz pela arte contemporânea e um fator determinante para a fundação do Instituto mineiro.

Político e ativista
A exposição acontece na Galeria Mata, umas das primeiras do parque ecológico, que fica próxima à Galeria True Rouge, dedicada à instalação de mesmo título, de Tunga. Coincidência ou não, o primeiro ato traz o legado de Nascimento de uma maneira mais ampla, não só como artista e pintor, mas também como político e ativista, apontando para um Inhotim futuro, com a possibilidade de novos diálogos. A mostra acontece em um momento de revisão da história da arte, provocando Inhotim a pensar outras formas de acessibilidade ao público, já que cultura, educação e acesso são premissas do IPEAFRO.

Celebração a Legba (1996) (Foto: Coleção-particular / Divulgação)

A pauta identitária, política e racial se coloca quase como um “acerto de contas” por parte da instituição, que recentemente adicionou à sua equipe curatorial o jornalista e pesquisador Deri Andrade, fundador da plataforma Projeto Afro e agora curador-assistente de Inhotim.

“Nós queremos possibilitar acesso à população de fora da elite cultural. Isso exige uma abertura institucional a novas figuras e dimensões de atuação museológicas. Trazer o Museu de Arte Negra para Inhotim dá visibilidade à produção de Abdias e de muitos outros artistas, mas não podemos esquecer dos já 100 anos de histórias e conquistas do MAN-IPEAFRO”, diz Julio Menezes, coordenador do projeto Museu de Arte Negra do IPEAFRO no ambiente virtual.

Está em curso há, no mínimo, 15 anos, um movimento de crescente interesse pelo legado de Abdias do Nascimento, que culminou na inclusão de obras do Museu de Arte Negra na exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018), no MASP, e em uma grande individual no MAC-Niterói, intitulada Abdias Nascimento: Arte de Um Guerreiro (2019). Em setembro de 2020, um conjunto de 25 obras do artista entrou no mercado, no stand da Galeria MaPa na ArtRio. Todas as obras foram vendidas.

O Vale de Exu (1969), de Abdias Nascimento (Foto: Daniel Mansur)

“O movimento negro no mundo inteiro exige das instituições que contemplem as demandas sociais de seu tempo”, diz Elisa Larkin Nascimento. Em conversa com a seLecT, ela sublinha que o mundo da arte “nunca tomou conhecimento da obra de Abdias, ainda que este seja um precursor, que nos anos 1940 já defendia a cultura e os direitos civis da população afrodescendente”. “A parceria do IPEAFRO com Inhotim traz uma novidade nesse contexto: a abertura de uma instituição como essa para o reconhecimento de outras práticas e narrativas artísticas”, diz Elisa. O segundo ato do projeto está previsto para o início de maio.

 

Serviço
Museu de Arte Negra – Primeiro Ato: Abdias Nascimento e Tunga
4/12/21 a 10/4/2022
Galeria Mata, Instituto Inhotim
Reservas pelo Sympla