icon-plus
Postado em 10/01/2014 - 3:05
Além do quadro
Silas Martí

Obra fílmica de Tacita Dean, em retrospectiva no IMS, constrói simulacro quase perfeito do mundo visual

Tacita

Legenda: Para a exposição de Tacita Dean no IMS foram criados novos trabalhos a partir de fotografias e postais antigos do Rio de Janeiro, Petrópolis e Teresópolis (Foto: cortesia Tacita Dean)

Quando a artista britânica Tacita Dean filmou todo o processo de produção dos últimos rolos de filme 16 milímetros numa fábrica da Kodak no interior da França, lamentou o fim do suporte que usa em quase toda a sua obra, dizendo que ali se perdia a plataforma para se construir “um simulacro quase perfeito do nosso mundo visual”. Talvez a melhor chave de leitura de sua obra, agora revista numa grande retrospectiva organizada por Rina Carvajal no Instituto Moreira Salles, no Rio, seja esse “quase perfeito” de sua afirmação. Dean se aferrou ao analógico nos filmes que vem produzindo desde os anos 1990 não por qualquer tipo de capricho, mas por acreditar que a representação dos objetos por emulsão sobre a película, em vez de desmembrados em pixels digitais, seja a forma de ver o mundo em seu estado mais verdadeiro, ou melhor, mensurável.

Não é por acaso que o nome da mostra seja A Medida das Coisas. Tacita Dean diz gostar do analógico por ser algo que significa “proporção e semelhança”, e também por nunca negar aspectos quantificáveis daquilo que retrata, como “comprimento, largura, voltagem e pressão”. Sua arte se resumiria, então, a uma natureza mecânica, não fosse sua obsessão – e maestria – em retratar nos filmes efeitos sutis da história extraquadro.

Toda a mostra no Rio, embora repasse anos de carreira da artista, parece estar arquitetada em torno de Desaparecimento no Mar e a série de filmes que a artista dedicou à investigação do naufrágio de um veleiro que tentou dar a volta ao mundo partindo do Reino Unido nos anos 1960. Dean foi ao ponto de partida do barco, um porto inóspito na Escócia, onde filmou a rotação solitária dos refletores no farol de Berwick. Também viajou à ilha caribenha onde o barco fora encontrado anos depois. Lá, sabendo do fracasso da viagem e de como o piloto Donald Crowhurst se jogou ao mar já com a certeza de estar perdido e desorientado, filmou a embarcação apodrecida de todos os ângulos possíveis. Disse que aquilo poderia ser um “exoesqueleto deixado ali por uma criatura errante hoje extinta”.

Uma casa em forma de bolha não muito longe do barco, elemento central de seu filme Bubble House, também surge na descrição da artista como uma “visão futurística” ou “registro de outra era”. Esses resquícios de outras eras, plasmados também no suporte obsoleto da película, ganham pelo olhar de Tacita Dean uma ressonância insuspeita e arrebatadora. Eles nada seriam na definição inabalável do digital. Dessa forma, mergulhados numa espécie de penumbra temporal, esses registros metonímicos – seus filmes sempre focam fragmentos da história para aludir ao todo – aparecem como aquilo que ela observou na fábrica da Kodak, um “simulacro quase perfeito”.

Serviço:

A Medida das Coisas, Tacita Dean, até 26/1, Instituto Moreira Salles, R. Marquês de São Vicente, 476, Rio de Janeiro

*Review publicado originalmente na edição #15