Em busca de atualizar seu modelo tradicional, a nova SP-Arte Rotas Brasileiras dá espaço para projetos institucionais, em sua maioria de fora do eixo Rio-São Paulo, que defendem, em meio a galerias e um ritmo acelerado de compra e venda, diferentes perspectivas dos modos de uso da arte contemporânea.
Grande parte das instituições trazem ao galpão industrial, na Vila Leopoldina, questões relacionadas à Amazônia e sua pluralidade de seres, relevos, culturas e saberes. Uma delas é a Fundação Romulo Maiorana, que apresenta o conceito curatorial da 40ª edição do Arte Pará. No estande, a fundação destaca a produção de cinco artistas mulheres da Amazônia Legal: Yaka Huni Kuin (Acre), Elza Lima, Nina Matos e Nayara Jinknss (Belém) e Gê Viana (Maranhão). O conjunto de obras revela um discurso simbólico a partir de valores regionais, de pautas identitárias, ecológicas, socioculturais e do histórico conceito de “visualidade amazônica”. Evocar essa discussão, sobretudo no contexto de uma feira de arte em São Paulo, é uma maneira de recontextualizar problemas históricos e sociais silenciados.
Além de a edição de 2022 promover um recorte significativo das mulheres artistas da Amazônia, o projeto de 2020, que não pôde ser realizado em função da pandemia de Covid- 19, também elabora novas diretrizes institucionais que objetivam ampliar a representatividade de gênero, raça, religião, orientação sexual e de grupos historicamente marginalizados. “A missão do 40º Arte Pará é romper com rótulos de uma visão única mediante a indicação de diferentes modos de ver e representar o mundo para, assim, desestabilizar processos ideológicos e estruturais, desconstruindo narrativas e pensamentos dominantes”, afirma a assessoria de imprensa à seLecT. Para Paulo Herkenhoff, curador geral da mostra há mais de 20 anos, trabalho que compartilha na edição deste ano com as curadoras adjuntas Laura Rago, Roberta Maiorana e Vânia Leal, o Arte Pará reaviva a tarefa de mobilizar a Amazônia em torno da produção simbólica da cultura e de suas possibilidades de pensar a sociedade. A iniciativa de parceria entre o Arte Pará e a SP-Arte Rotas Brasileiras se deu por meio de um compromisso mútuo de repasse de 100% do valor de cada obra vendida diretamente à respectiva artista.
Outro estande que chama a atenção é o do PREAMAR, movimento independente em prol da difusão e apoio à arte maranhense que inicia o segundo semestre de 2022 apresentando na SP-Arte uma articulação entre produções de Dinho Araújo, Márcio Vasconcelos e Silvana Mendes, com obras que abarcam temas ligados às questões raciais e políticas de afirmação, rituais de encantaria e festas do Bumba Meu Boi maranhenses.
O projeto surgiu após um primeiro ciclo de ações que ocorreu nos meses de abril e maio em São Luís, com a realização da exposição coletiva PREAMAR e de conversas abertas, simultaneamente, no Chão SLZ e na Lima Galeria, além de residências artísticas na Casa do Sereio, em Alcântara. O movimento tem intenção de fomentar o cenário artístico no Maranhão, formar público ativo e auxiliar na formação dos artistas locais.
Na feira, a exposição tem curadoria colaborativa de Samantha Moreira, Frederico Silva, Yuri Logrado, Marco Antônio Lima e Germano Dushá, que buscam conectar a potência da arte maranhense aos demais pólos artísticos do Brasil e do exterior. Os trabalhos elaborados a partir de pesquisas e imersões em temas locais estabelecem relações espontâneas e ressonâncias entre as obras dos três artistas maranhenses, configurando um corpus importante para a compreensão da arte contemporânea deste estado da Região Nordeste.
É destaque também o espaço dedicado a Uma Concertação pela Amazônia, rede criada em 2020 e, hoje, com mais de 500 lideranças – representantes dos setores público e privado, universidade, sociedade civil e imprensa – reunidas com o objetivo de promover o encontro de iniciativas em defesa da Amazônia para fomentar novas propostas em prol das florestas.
A exposição, com curadoria de Eder Chiodetto, convida os visitantes a pensar sobre a necessidade da preservação socioambiental. A escolha dos artistas, que inclui nomes como Rogério Assis e Marcela Bonfim, teve participação de um colegiado formado pelo curador, por fotógrafos e pelas equipes da SP–Arte e da Concertação. Ao final, com a definição das obras, cria-se uma constelação com forte viés documental sobre o momento distópico atual da Amazônia e dos povos originários.

A arte indígena também se faz presente na feira. Com organização de Mayawari Mehinako, o Bancos Indígenas do Xingu apresenta uma seleção de obras feitas por artistas dos povos Kamayurá, Mehinaku e Waujá, ampliando o conceito de função para a dimensão simbólica.
Os bancos são usados no cotidiano das aldeias e nas práticas culturais, como festas e rituais, possuindo uma dimensão cosmológica, sendo alguns deles usados por pajés para transcender ao mundo espiritual. Os modelos específicos indicam o uso exclusivo masculino, feminino, de pajés e de caciques. O banco Urubu-rei de duas cabeças é de uso do cacique, o banco feminino é baixo e talhado em buriti. Também existem modelos esculpidos em formas de animais da fauna brasileira, entidades míticas pintadas com grafismos tradicionais. O processo de produção acontece a partir de um único tronco de madeira, fazendo uso de piranheira, sucupira, moreira, itaúba, canela, pequi, jatobá, angelim, lixeira e ipê. A resina retirada do Ingá é a base para produção de tintas naturais – mistura-se ao pó de carvão para obter tinta preta e ao urucum para a tinta vermelha – usada nos grafismos tradicionais de peixes, pássaros e insetos. No final, o óleo de pequi é usado como verniz.

A divulgação da arte indígena cresce cada vez mais no circuito brasileiro de arte, sendo fundamental para as revisões históricas atuais. “É muito importante estarmos aqui, é a forma de conseguir retorno pelo nosso trabalho. Viemos de muito longe, usamos muitos recursos e estar aqui, hoje, com o interesse de todos, é muito gratificante”, conta Takula Diago Mehinako, à seLecT. O projeto Bancos Indígenas do Xingu é meio de geração de renda familiar e comunitária para melhorar a qualidade de vida nas aldeias, garantindo o fundo financeiro para os povos envolvidos. “É importante que os não-indígenas conheçam nossa cosmologia através da nossa produção, que representa a verdadeira arte brasileira e é um patrimônio histórico e artístico”, escreve Mayawari Mehinako no texto curatorial.
É importante dar destaque ao Prêmio Museu É Mundo, projeto filantrópico que pretende chamar atenção de entusiastas da arte a outras formas de fomento relacionadas a ações artísticas de impacto social. O espaço na feira é dedicado à apresentação dos quatro projetos apoiados pelo seu primeiro edital – Muluca (RO), Respiradores (MG), O comum de nós (SP) e Constelar ancestral (PA) -, que teve mais de 800 inscrições de 24 estados e 234 cidades do Brasil, e busca captação de recursos para a segunda edição.
A participação na SP-Arte Rotas Brasileiras inaugura uma nova etapa de mobilização filantrópica por parte do projeto. Como via para apoiar essa proposta, estão disponíveis duas cotas de doação, de R$1.000 e R$5.000. Para cada uma delas é pensada uma contrapartida simbólica. Os doadores da cota menor receberão como agradecimento um kit composto de bolsa, cartaz e botton exclusivos.

Já os doadores da cota maior recebem, além do kit, um múltiplo do artista pernambucano Marcelo Silveira, parceiro nesta edição na realização da obra de agradecimento do prêmio e um dos conselheiros do Prêmio. Todo valor arrecadado será revertido exclusivamente para a realização dos projetos selecionados pelo segundo edital do Prêmio Museu É Mundo.
Outros caminhos também são propostos pelo projeto Novos Para Nós, criado em 2017 pelo ex-publicitário Renan Quevedo. O recorte curatorial é focado na produção de cerâmica do Vale do Jequitinhonha dos últimos 50 anos, apresentando grandes nomes da arte popular brasileira, como Ulisses Pereira Chaves, Izabel Mendes da Cunha e Noemisa Batista dos Santos.