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Postado em 10/03/2014 - 6:31
ARMORY SHOW 2014 – Depoimento de um artista
Pedro Vicente

A feira novaiorquina teve a China como país homenageado este ano. O fato de China e EUA serem hoje as maiores economias do mundo, lembra que o compromisso desse tipo de evento é na realidade muito maior em relação ao comércio do que à arte

Geral

Legenda: Em primeiro plano, o totem S&M do Artista Xu Zhen, fragmento da instalação Play Expectations (foto: Pedro Vicente)

Ao visitar a feira de arte Armory Show, em Nova Iork, que terminou domingo 9, foi inevitável lembrar do meu primeiro contato com esse tipo de evento, em 2008, quando malabarismos do acaso me levaram à Basel Art Fair na Suíça, então a maior de todas as feiras de arte. Era a véspera do colapso do sistema financeiro que abalou o mundo, o mercado de arte vivia dias de glórias nababescas, e isso foi marcante em minha experiência. Não só pelo tamanho e abrangência do evento, que me proporcionou o contato com tantos recortes da arte de várias partes do mundo, uma experiência que realmente acredito transformadora, como pela constatação absoluta de que a arte, naquele contexto, guardava uma relação cinicamente opcional com qualquer origem ligada à expressão pessoal ou conceitual, ou de ideais políticos, estéticos, etc., sendo considerada basicamente como mercadoria de luxo e opção de investimento financeiro. Vagando pela feira a bordo de um passe VIP cedido por um amigo, minha inevitável figura de “mochileiro” destoava da multidão, cujo figurino somava milhões de dólares, mas parecia ser interpretada como mera excentricidade por vendedores de Ferraris e de ilhas particulares em Dubai que me abordavam com ofertas desconcertantes toda vez que eu pretendia descansar as pernas no lounge VIP. No qual, por sinal, só se falava no preço astronômico pago pelas obras mais cotadas na exposição, evidenciando o dinheiro como protagonista do evento, e a arte como coadjuvante. Por mais banal que possa parecer a um macaco velho das feiras de arte, para mim, como artista, foi uma tomada de consciência. Por um lado, feliz, pela constatação “in loco” da devida e tremenda valorização da arte pela sociedade.

Socialist Leaders From Marx To Mao, Jin Feng

Legenda: Socialist Leaders: from Marx to Mao, Jin Feng (Tianrenheyi Art Center) (foto: Pedro Vicente)

Por outro lado, nem tanto, pela constatação de que boa parte da própria arte em exposição parecia contaminada em seu cerne por uma identificação com os efeitos pirotécnicos desta valorização. Isso porque a predominância de obras realizadas através de caríssimos processos industriais e terceirizados de manufatura, resultando em obras de grande impacto visual ou sensorial, tende a ofuscar o público desavisado diante da arte feita com as próprias mãos do artista. Assim como tende ao risco de esvaziamento do conteúdo em função do efeito.

Mas enfim, depois dessa experiência, estive em algumas feiras de arte quando estas começaram a acontecer no Brasil, todas muito menores, em todos os sentidos. E nunca estivera antes na Armory Show, esta que é, há algum tempo, o principal evento do gênero numa das capitais do mercado da arte no mundo, Nova York. E que ao longo dos anos motivou o surgimento de outras feiras de arte que ocorrem simultaneamente na cidade (The Art Show, Fountain New York, Clio Art Fair, Volta NY, Scope NY, Independent, Moving Image, além de outras mais alternativas – como uma que visitei a dois quarteirões da Armory, ironicamente chamada “Unfair” – trocadilho com a palavra “fair” (feira) que significa “Injusto”).

John Giorno - Max Wigram Gallery London

Legenda: It Doesn’t Get Better, John Giorno (Max Wigram Gallery, Londres) (foto: Pedro Vicente)

Este ano, para engrossar o caldo, a Whitney Biennial se sincronizou com o evento, consolidando o período como uma “semana da arte”, que atrai colecionadores, galeristas, curadores e artistas de todo o mundo. Para o público, é um festival de possibilidades, que alguns encaram como maratona, e para os galeristas e expositores é praticamente uma olimpíada. Ainda assim, ouvi de uma colecionadora bem envolvida com a atividade que tanto a Armory Show quanto esta “semana da arte” de março, na verdade não merecem tanto prestígio quanto a “semana da arte” de maio, quando acontecem mais seis feiras na cidade (Frieze Art Fair, a Pulse New York, a Select Fair, Contemporary Art Fair NYC, PooL Art Fair New York e Outsider Art Fair). Para ela, a semana da Armory é ok, mas hype mesmo é a de maio.

Além disso, ouvi que a proximidade de datas da Armory Show com a Art Dubai, no final do mês, tampouco contribui para atiçar os ânimos colecionísticos. Mas para mim, que não sou colecionador e estou de passagem pela cidade para uma residência artística, foi mais uma experiência extática entrar em contato com obras de arte do mundo todo, assim como me atualizar com o gosto que rege hoje o mercado de arte. Mas a realidade é que uma feira como essa disponibiliza tanta informação que o único jeito de alcançar um aproveitamento à altura é ter conhecimento prévio do conteúdo, e principalmente foco em interesses específicos. Não foi o meu caso.

Homage To Capitalism - Qiu Zhijie

Legenda: Homage to capitalism, Qiu Zhijie (Tianrenheyi Art Center) (foto: Pedro Vicente)

Visitei a feira confiando que o vento me levaria a ver a arte que me cabia ver, e acho que funcionou. Essa edição da Armory tem a China como foco, os anúncios nos alto falantes são bilíngues, em inglês e em chinês, e o fato China e EUA serem as maiores economias do mundo hoje inevitavelmente me lembrou do compromisso desse tipo de evento muito maior em relação ao comércio do que à arte. E o que eu vi da arte chinesa só realçou aquela suspeita de superficialidade resultante da potência técnica terceirizada em detrimento da expressão artística genuína.

Soundsuit - Nick Cave

Legenda: Soundsuits, Nick Cave (Jack Shainman Gallery) (foto: Pedro Vicente)

Mas vi muita coisa boa. Da participação brasileira, o que eu achei realmente incrível foi a seleção de obras de Waldemar Cordeiro exposta pela galeria Luciana Brito, escolha que fez soar meus tímpanos patrióticos. A obra preferida entre as que vi é assinada pelo homônimo de um pop star do rock & roll, Nick Cave, que apresentou a obra Soundsuits, na Edwwyinn Houk Gallery. Outros trabalho digno de nota são as esculturas do artista suíço Cajsa Von Zeipe, trazidas pela galeria Andréhn-Shciphtjenko, de Estocolmo.

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Legenda: Movimento Ruptura (1952), Waldemar Cordeiro (Luciana Brito Galeria) (foto: Pedro Vicente)

Dessa vez não encontrei nenhum amigo que me cedesse um passe VIP, mas me contentei em vagar pelos corredores da feira, absorvendo as vibrações evolutivas que emanam de toda verdadeira obra de arte, independentemente de como ou por quem é criada, explorada ou consumida.