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Sônia Gomes (Foto: Cortesia Mendes Wood DM)
Postado em 15/07/2016 - 2:00
Arte contemporânea é popular?
Sônia Gomes, Paulo Nazareth, Adriano Pedrosa, Emmanuel Nassar e Ricardo Resende respondem à pergunta feita pela #select30

O espectador comum que nunca reclamou da aridez do cubo branco ou da ininteligibilidade de um discurso que atire a primeira pedra. Desde a metade do século 20, a arte deixou de se apoiar no domínio de técnicas e suportes para se fundamentar no discurso por trás da obra. É preciso tempo, paciência e informação para viajar na iconoclastia da arte contemporânea. Na contramão da velocidade de um tempo balizado pela internet, a arte reivindica o direito ao próprio ritmo. Diante dessa esfinge e seu “decifra-me ou te devoro”, seLecT pergunta a insiders da cena artística: a arte contemporânea é popular?

Sônia Gomes
Artista
A arte contemporânea tem vários caminhos. Uma parte se abre para as ruas, numa troca de riquezas. Transmite visualmente conhecimentos, manifestações culturais, sentimentos e pensamentos de um povo. Isso é possível graças à liberdade que o artista tem de propor sua própria linguagem, usando da diversidade de técnicas e emprego de materiais para a elaboração de uma obra. A arte contemporânea é livre. Aproxima-se do popular sem perder sua erudição, mas nem por isso se torna pedante – mas o seu produto ainda é para poucos.

Paulo Nazareth
Artista
Não creio que o que chamamos arte contemporânea seja exatamente popular. Muito de sua produção flerta com o popular, mas parece ser o que antes se chamava arte acadêmica. A maior parte dos artistas vem da academia, seja de arte, seja de outra disciplina. São pouquíssimos aqueles que não passaram por ela de alguma forma. Claro que, depois de passar pela universidade, pode-se fugir desse registro buscando outros caminhos, mas suas marcas ficam – até mesmo na aceitação social dessa arte. O artista que não faz esse percurso é tachado inúmeras vezes como ingênuo, naïf, bruto, ou qualquer outra palavra que leve a uma hierarquização de seu fazer como algo abaixo do acadêmico contemporâneo. Mas há produções populares em arte contemporânea, muitos artistas hoje bebem nessa fonte. A arte popular é contemporânea não só pelo fato de ser feita neste momento, mas por dialogar com outras produções atuais. Talvez o problema de entender a arte contemporânea como popular seja o fato de pensá-la como produção que segue uma linha aceita por uma certa corrente “crítica” acadêmica, se é que isso existe.

Paulo Nazareth
Paulo Nazareth (Foto: Cortesia do Artista)


Adriano Pedrosa
Diretor artístico do Masp
As noções de arte contemporânea e de arte popular, como muitas outras no léxico da arte, são problemáticas e não dão conta da realidade dos objetos e suas múltiplas possibilidades de contextualizações. Arte popular já é um termo menos contestado do que outros – como arte primitiva, arte naïf, arte ingênua, esses, sim, com conotações hierarquizantes, paternalistas e etnocêntricas. Por um lado, se considerarmos o termo de maneira estrita, o que seria o “outro” da arte popular? A arte elitista, a arte burguesa, a arte das classes dominantes? Parece-me que poucos artistas ditos contemporâneos no Brasil, hoje, que eu conheço, se sentiriam vinculados a uma tal denominação. Por outro lado, se há um sentimento que me parece urgente na história, na crítica e na prática da arte é que a produção e o debate em torno da arte não devem estar vinculados às classes dominantes, sejam elas como objeto ou agente. Mas do que chamar então essa outra arte? No passado, utilizei a denominação “visionários” para aqueles “artistas autodidatas, frequentemente reclusos e de origem humilde, trabalhando fora do circuito ortodoxo da academia e do mercado”, como escrevi em outro contexto. O visionário aponta para o artista com uma visão independente, pioneira, não contaminada pelo circuito, o mercado, a academia – é comum o uso nos Estados Unidos, hoje, do termo visionary artist. Entretanto, ainda que a história e a crítica de arte, assim como o museu e a academia, tenham sempre o desejo de organizar, categorizar, classificar e sistematizar autores e suas produções, precisamos estar sempre alertas às limitações e perigos dessa empresa. Podemos falar simplesmente em artistas. Para responder à pergunta inicial a partir de um outro ponto de vista, a arte contemporânea tem se tornado bastante popular, atraindo novos públicos em todo o mundo, mas o artista mais popular na coleção do Masp, a julgar pela presença nas mídias sociais, talvez ainda seja Portinari.

Adriano Pedrosa (Foto: Masp)
Adriano Pedrosa (Foto: Masp)

Emmanuel Nassar
Artista
E existe alguma coisa mais popular do que a Mona Lisa? Ela também foi arte contemporânea, em seu tempo. E, ao que se sabe, continua sendo arte até os dias de hoje.

Emmanuel Nassar (Foto: Everton Balardin)
Emmanuel Nassar (Foto: Everton Balardin)

Ricardo Resende
Curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea
A arte contemporânea tem o desejo do popular, de introduzir o imaginário no real, de juntar a arte e a vida no plano real, para o público. Mas não tem conseguido, porque deixou de fazer o principal: revelar-se em sua essência, a arte. Ela não é mais explícita. A arte parece estar se tornando uma experiência puramente pessoal do artista ou de um grupo de artistas. Está se tornando também uma experiência de curadores, para curadores de arte. Nada tem de popular. Está cada vez mais ensimesmada na academia, onde a linguagem deve seguir as regras burocráticas dos textos acadêmicos. Trata-se de uma “estética” da indiferença, da excessiva teorização e conceituração da arte contemporânea. Artistas se reúnem com artistas ou artistas se reúnem apenas com os “pensadores” da arte nos espaços alternativos, nas residências artísticas, nos museus de arte para falar do “outro”, da “alteridade”, das políticas das “diferenças”, das relações “rizomáticas”, dos “territórios”. Todos são temas abstratos para o público em geral. A escrita e a leitura são também para eles mesmos. Para quê então falar e escrever sobre arte, se arte pressupõe o público, o popular? Se não tem público, não se tem a fruição do conhecimento da arte. E os artistas parecem estar se dedicando muito mais para os seus mestrados e doutorados, e, claro, também para o mercado de arte. E o público, o popular, não faz parte desse universo. Me lembro de Mario Pedrosa… porque o público relaciona-se com a obra de arte e a obra de arte é o que cada vez menos se faz ou o que se vê. Apenas se escuta e se lê. Tenho de falar o que não vejo do popular na arte contemporânea. O que mais tenho visto nos dias de hoje são infindáveis discussões com citações de luminares como Didi-Huberman, Jacques Rancière, Michel Foucault, Jacques Derrida, e por aí vai. Artistas deveriam “descer” para as ruas, expor suas obras nos museus de menor visibilidade, nos periféricos, trabalhar para as pequenas galerias de arte e espaços de arte menos conhecidos nos arredores das cidades. Mas venham despidos – fazer arte e ver arte. O popular parece estar ausente do universo da maior parte dos artistas contemporâneos. Mais Bispo do Rosário, mais Clovis, mais Arlindo (artistas do Ateliê Gaia, Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea da Colônia Juliano Moreira, RJ), mais Nino, mais Véio na arte contemporânea!

Ricardo Resende (Foto: José Mauro Corrêa)
Ricardo Resende (Foto: José Mauro Corrêa)