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A democracia é um mito (2018), guache sobre bronze, de Vanderlei Lopes, na curadoria de Lisette Lagnado
Postado em 05/10/2018 - 12:32
Arte, política e urgência
Mediante a falta de engajamento dos políticos com a cultura, ouçam os discursos de artistas e curadores sob o calor eleitoral
Paula Alzugaray

A importância da cultura para o desenvolvimento social e econômico do país é um esclarecimento que os políticos brasileiros definitivamente não têm. Apenas cinco dos treze candidatos à presidência apresentaram projetos para a cultura em seus programas de governo. A maioria não menciona o assunto e a palavra cultura sequer é proferida em campanhas eleitorais. Diante da absoluta falta de comprometimento de nossos atuais e futuros representantes públicos, cresce a relevância do discurso daqueles que trabalham pela arte e pela cultura. Felizmente eles são muitos, cada vez mais abundantes. A seguir, algumas vozes que ecoam no Rio de Janeiro.

Em “Arte Democracia Utopia – Quem Não Luta Tá Morto”, no Museu de Arte do Rio (MAR), o curador Moacir dos Anjos se refere ao caráter essencialmente político do pensamento utópico que marca a arte brasileira recente. “São muitas as maneiras de fabular outro lugar que possa existir no futuro, embora fazer política e fazer arte sejam duas das mais antigas e constantes”, aponta dos Anjos no texto curatorial. Os trabalhos dos cerca de 60 artistas e coletivos ali reunidos expressam, por um lado, o inconformismo com a realidade – como os bordados de Rosana Palazyan, que representam a dor e o vazio de mães que perderam seus filhos para a violência cotidiana. Por outro, eles mostram que é possível criar lugares que não existem “por agora” e fazem de seus trabalhos processos de cura (Ayrson Heráclito promove um ritual de limpeza espiritual no MAR) e de aprendizado (Traplev faz programa de realfabetização política com suas “Almofadas Pedagógicas”).

Brasil #1 (2013), de Matheus Rocha Pitta

Na mostra coletiva “Com o ar pesado demais para respirar”, na galeria Athena, a curadora Lisette Lagnado dá um depoimento “sobre a atmosfera de um momento generalizado de rara angústia”. “Às vésperas de eleições para presidente, os ‘padrões de convívio humano’ do ‘homem cordial’ encontram a sociedade brasileira atravessada por discursos de ódio”, escreve ela, referindo-se às insustentáveis taxas de violência e homicídios contra populações jovens e pobres (trans, negras e indígenas) e ao assassinato de Marielle Franco e de seu motorista, há mais de seis meses sem resolução. O calor da hora transpira, por exemplo, na série de fotografias Brasil (2013), de Matheus Rocha Pitta. As imagens mostram pedaços de carne misturados à terra vermelha de Brasília, o que, segundo a curadora, retoma o significado da palavra “brasil” como “lugar de brasas”.

Brasa Ilha (2018), do Opavivará, apresentado na galeria A Gentil Carioca (Foto: Lula Buarque de Hollanda)

“Brasa ilha” (2018), o mais novo trabalho do Opavivará, apresentado na festa de 15 anos da galeria A Gentil Carioca, é a materialização do estado incendiário em que vivem as instituições brasileiras. Com o humor que marca as criações do coletivo carioca, a peça é constituída por uma antiga Brasília, modelo de carro fabricado pela Volkswagen nos anos 1970, customizada com churrasqueira e forno de pizza.

O incêndio que destruiu o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (1818-2018), trágico resultado do descaso político pela cultura, é execrado na mais recente obra de Anna Bella Geiger, a série de gravuras “Rrose Sélavy” (2018), apresentada no Manjar do Solar dos Abacaxis, evento com curadoria de Bernardo Mosqueira. Aquele que é um dos maiores atestados do fracasso de uma sociedade, ostenta as primeiras páginas dos jornais com intervenções gráficas de Geiger, que propõe a associação da tragédia com o alterego de Marcel Duchamp, Rrose Sélavy, que por sua vez faz um trocadinho com a expressão resignada “c’ est la vie”.

Se deixando guiar pela ideia da destruição para compor a “Respiração Krajcberg” – que integra obras do escultor Frans Krajcberg (1921-2017) à coleção da Casa-museu Eva Klabin –, o curador Marcio Doctors toca no caráter criminoso das queimadas na Amazônia. De forma inesperada, acaba por referir-se também ao crime de descaso que levou ao desaparecimento do mais rico acervo de história natural e cultural brasileira. A carbonização da história é também evocada por Rodrigo Braga na exposição individual “Os Olhos Cheios de Terra”, na Anita Schwartz Galeria de Arte. Em uma série de fotoperformances, o artista veste-se de preto e branco, com a pele tingida a gesso e carvão, e chama atenção para os perigos da polarização da sociedade. “No campo dos radicais opostos, a intolerância é combustível”, afirma o artista.

Para endossar a urgência de um chamado à construção do diálogo (ao invés do erguimento de trincheiras de guerra), o curador Leno Veras reuniu Lula Buarque de Hollanda e Marlos Bakker na exposição “Os Muros”, na galeria da Gávea. As fotografias de Bakker discorrem sobre o contraste social de dois bairros vizinhos e a videoinstalação de Buarque de Hollanda descortina dois Brasis polarizados, tendo entre eles o muro do impeachment, instalado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Em comentário que dialoga com a mostra de Moacir dos Anjos sobre a utopia, Veras afirma: “Isolados pelas cercas e distanciados pelas grades, a arquitetura utópica de um estado de bem estar social deu lugar a urbanismos distópicos, cujos alicerces estruturam a segregação”. E sugere: “É preciso fincar muralha (uma única; e esta, sim, pétrea) entre a sociedade e o extremismo”.