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Postado em 09/08/2013 - 2:47
As quatro estações de Beatriz Milhazes na íntegra
da redação

Leia aqui a entrevista completa que Beatriz Milhazes, nome de ponta da arte brasileira na cena internacional, concedeu à seLecT. 

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Legenda: “Moon” (2007), um dos trabalhos incluídos na grande mostra que marca os 30 anos de carreira da artista (foto: Isabella Matheus)

Sucesso de crítica e de público desde sua primeira exposição individual, em 1985, Beatriz Milhazes define-se hoje como “uma artista brasileira internacional”. Com obras nas principais coleções do mundo, como MoMA e Guggenheim, Milhazes realizou, nos últimos anos, nada menos que 30 individuais em 11 países.

Este ano ela faz 30 anos de carreira e ganha a mais abrangente mostra panorâmica de sua obra, que inaugura em 29 de agosto, no Paço Imperial, no Rio. A exposição traz ao Brasil obras que, embora tenham sido produzidas no ateliê da artista, no Rio, nunca foram expostas por aqui. Elas vêm diretamente das maiores coleções do mundo, como a Fundação Beyeler, de Basel, na Suíça, para a qual Milhazes criou a série Gamboa Seasons, em 2010. São quatro telas que representam as quatro estações do ano no bairro carioca da Gamboa.

Com curadoria do francês Fréderic Paul, a mostra tem um percurso cronológico que começa em 1989, passa pelos anos 2000, quando Milhazes começa a experimentar técnicas paralelas à pintura e arremata em uma série de móbiles concebidos especialmente para o Paço Imperial. Manifestando interesse na arte cinética latino-americana, ela diz que seus últimos trabalhos tentam criar uma conversa visual entre a op art e a arte tribal. Abaixo, a íntegra da entrevista de a artista concedeu à seLecT. Aqui, a galeria de imagens completa.

seLecT – Em seu trabalho, a transformação da técnica ocorreu, ao longo do tempo, de forma sutil, delicada. Conforme você mesma declarou em entrevista a Jonathan Watkins para o catálogo de uma mostra do Centro Cultural Banco do Brasil, nos anos 1990 sua pintura era mais pesada, com elementos que remetiam a um ideário hispano-americano e religioso, com babados e ícones de aspecto figurativo. Gradualmente, ela seria diluída em construções onde os padrões repetidos – ondas, flores, arabescos, frutas, mandalas – formam mosaicos que poder-se-iam definir como um “barroco concreto”. Para que caminhos sua pintura aponta hoje?

Beatriz Milhazes – Gostei do “barroco concreto”. Todos os períodos da minha pintura estão relacionados à construção e à criação de uma ordem própria. Cor, forma, composição são elementos estruturais da pintura em si e do qual me aproprio para desenvolver a minha própria ordem. Sempre me considerei uma artista geométrica. E estou sempre introduzindo situações novas, novos problemas para desenvolver e para serem resolvidos. A partir do início da primeira década do século 21, meus trabalhos começaram a ganhar uma força mais abstrata e, gradativamente, elementos figurativos presentes nos anos 1990.

Como você sabe, eu trabalho com outras linguagens, como serigrafia, colagem, obras públicas para espaços arquitetônicos. Existe um diálogo muito frequente e forte entre essas linguagens e a pintura. Um diálogo verdadeiro, de duas mãos. Nas pinturas e colagens que mostrei na exposição da James Cohan Gallery, NY, em 2008, pode-se perceber a influência dos meus projetos e desenhos para fachadas e espaços públicos, institucionais na sua maioria. As formas elegem as cores, que elegem as formas, sem uma ordem precisa, porem já incorporadas às linhas dos espaços arquitetônicos. A espacialidade das telas muda e a comunicação entre quadrados versus círculos é desenvolvida a partir de uma infindável justaposição dessas formas.

De 2012 para cá, introduzi neste espectro um retorno à utilização de padrões, agora de referências externas à pintura, como arte tribal e primitiva. Essa arte é muito contemporânea e desenvolve elementos muito ricos quando se quer criar superfícies ativas e otimizar o olhar. A arte abstrata, especialmente a cinética latinoamericana, também me interessa muito no momento. Talvez esteja tentando uma conversa com a op art a partir da arte tribal.

seLecT – Além de alguns projetos pontuais, como o jardim de girassóis criado para o Festival de Jardins do Museu de Arte Moderna de São Paulo, você não costumava investir em outros suportes para criação, como escultura ou instalação. Isto está em suas prioridades agora?

Beatriz Milhazes – A pintura é um universo muito complexo, amplo e de uma riqueza infinita, o mais difícil dos meios a se trabalhar atualmente, pelas suas exigências inevitáveis de solidão e concentração. A pintura tem um peso enorme sobre suas costas, pois carrega toda a história da arte nacional e internacional, e todo pintor contemporâneo é “condenado” ao novo. Me considero uma pessoa de sorte, pois consigo desenvolver obras igualmente sólidas e importantes em outros meios como a serigrafia, colagem e os projetos públicos que lidam com o espaço arquitetônico, além dos livros de artista e dos cenários.

Todos esses meios se alimentam entre si. E a minha pintura necessita dessa alimentação, troca e diálogo. Isso se dá em mão dupla e é fundamental para a “juventude” do meu trabalho como um todo, e, principalmente, da pintura. Estou desenvolvendo um projeto em escultura baseado na forma do móbile. Na verdade, um resultado do que se iniciou no cenário de “Tempo de Verão”, passou pela obra “Gamboa”, pelo projeto “Aquarium”, para a Cartier, e finalmente se realizará em forma de peça escultórica.

seLecT – Você acredita que seu sucesso comercial interfere na percepção de sua obra? Explico: como a evolução o seu trabalho se dá sutilmente e precisa de observação acurada e demorada para ser compreendida, o público pode não perceber essas nuances? Que importância uma exposição panorâmica como essa do Paço tem para que se absorva seu universo pictórico?

Beatriz Milhazes – Eu creio que as artes plásticas sofrem ainda de uma distância muito grande entre a produção e sua história, e uma compreensão de conteúdo do público em geral. É uma arte visual e é necessário, mais do que em qualquer outra arte, uma formação nessa “leitura visual”. Não é para entender em palavras, é para desenvolver uma leitura que está no campo visual. O meu sucesso é de crítica, carreira e também comercial. Hoje sou uma artista brasileira internacional. Minha obra é exposta em muitos lugares do mundo, e para acompanhar todos os seus caminhos e crescimentos é necessário estar acompanhando de perto, vendo as mostras e as obras ao vivo. Uma mostra panorâmica como essa do Paço Imperial é muito importante para que se possa ver as obras em pessoa e verificar o recorte que o curador, Frederic Paul, desenvolveu sobre minha trajetória.

seLecT – A mostra inclui trabalhos inéditos no país? Que obras vem de acervos internacionais?

Beatriz Milhazes – A maioria dos trabalhos é inédita no Brasil ou foi mostrada uma única vez em um passado longínquo. Ou ao menos são, na sua grande maioria, trabalhos inéditos do público carioca. Das obras que virão de coleções internacionais, podemos destacar as obras do Gugguenheim Museum of Art, NY,1996; “Gamboa seasons”, 2010; “Tempo de Verão”, 1999 e “Beleza Pura”, 2006; Pierrot e Colombina, 2009/2010.

seLecT – De que forma você vê sua carreira hoje? Como você preserva o caráter original de seu trabalho das demandas do mercado?

Beatriz Milhazes – A minha relação com o trabalho é intocável. É fundamental que o artista saiba preservar isso. A obra deve estar sempre protegida, para que continue crescendo e mantendo sua qualidade. Sou representada por quatro galerias de arte: Galeria Fortes Vilaça, SP ; Stephen Friedman Gallery, Londres; James Cohan Gallery, NY; Max Hetzler Gallery, Berlim. Em 2014 será lançado um livro retrospectivo de minha obra pela Taschen, editora alemã; um documentário sobre minha obra, dirigido pelo José Henrique Fonseca. Uma mostra itinerante por museus norte americanos, se inicia também em 2014. Este ano completo 30 anos de carreira e o maior desafio que um artista com todos estes anos de trabalho pode ter é continuar mantendo a qualidade e interesse na sua obra. Isso é infinito e cada vez mais exigente.