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Postado em 05/03/2012 - 12:02
Atenção às evidências
Carlos Jimenez

Exposição de Antoni Muntadas no Museo Reina Sofía mapeia as reflexões do artista sobre o ambiente midiático que define a atualidade

Muntadas

Legenda: Fotos: Oscar Balducci, Joaquín Cortés/Román Lores

Muntadas está entre os artistas que melhor respondem aos desafios apresentados por nossa época, tão radicalmente marcada pelo propósito compartilhado entre estado e mercado de moldar ao seu gosto a vida cotidiana, a vida comum. Esta é a conclusão definitiva oferecida pela visita à grande exposição sobre sua obra, em cartaz desde novembro de 2011 e que vai até março de 2012, no Museu Reina Sofía de Madri, que mostra tanto a riqueza poliédrica de seu trabalho quanto seu obstinado interesse pelos meios e técnicas que permitem essa crucial manipulação.

Na busca de seus objetivos, Muntadas optou com frequência por uma tática que não é descobrir o que está escondido, mas chamar a atenção sobre o que é evidente. Foi assim que ele realizou, em 1980, The Limousine Project, colocando para circular em Manhattan uma imponente limusine preta com vidros escuros e monitores de vídeo nas janelas traseiras, exibindo imagens que enfatizavam os traços enigmáticos desse símbolo de poder e status social característico de Nova York. Nenhum nova-iorquino ignora a existência desses automóveis, mas é provável que poucos deles, antes da intervenção de Muntadas, tenham se dedicado a refletir sobre a ostentação de poder que o seu uso faz supor.

Essa estratégia elíptica valeu a Muntadas o questionamento eficiente de duas maneiras muito poderosas de controle da vida contemporânea: a arquitetura e as mídias. A exposição traz Architektur/Räume/Gesten, peça crucial de 1991, composta da reunião, em uma série de slides, de imagens de exteriores de edifícios imponentes com imagens de escritórios onde se tomam as decisões e os gestos corporais característicos dos que efetivamente comandam essas decisões. A arquitetura revela-se nessas imagens como um dispositivo de poder formalmente congruente com a retórica gestual daqueles que o agenciam e representam.

O mesmo assunto ocupa a instalação de 1987, The Board Room, uma grande sala de reuniões na penumbra, de cujas paredes pendem retratos de 13 personalidades religiosas, políticas e televisivas, com um pequeno monitor de vídeo em vez da boca, emitindo fragmentos de seus discursos habituais que, sobrepostos, geram um rumor ininteligível.

A grande mostra no Reina Sofía inclui ainda outra obra emblemática do artista: Stadium, que interroga tanto a história de um arquétipo arquitetônico originário do circo romano quanto os usos esportivos e políticos que ele tem em uma sociedade definitivamente entregue ao espetáculo. Cabe mencionar ainda Situación 2011, uma intervenção realizada entre os edifícios de Francesco Sabatini e Jean Nouvel, que servem de sede ao Reina Sofía. Esse trabalho analisa tanto as diferenças entre edifícios de épocas tão distintas quanto as existentes em termos de políticas expositivas e concepções museográficas que orientaram o projeto inicial do centro de arte Reina Sofía e o atual Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.

Em relação à importância da televisão na obra de Muntadas, deve ser dito que ele qualifica de Media landscape (paisagem Midiática) o ambiente eletroacústico que tem na televisão seu principal meio de realização e projeção. na exposição sobram exemplos do que Muntadas fez com essa paisagem, começando pelas tentativas de democratizá-la, nos anos 70, com os projetos de televisão comunitária cadaqués canal local e Barcelona distrito uno. ou ainda de sabotá-la, como em Acción TV, que pretendia interromper as transmissões normais da televisão com um vídeo em que o artista aparece com a letras T e V tapando seus olhos. 

Talvez o projeto com formato televisivo mais ambicioso do artista catalão seja o que explora o medo, sentimento que divide mais do que as fronteiras físicas. esse assunto aparece em duas versões: Fear/Miedo, realizada na fronteira entre tijuana (México) e San Diego (Eua), em 2005, e Miedo/Jauf, realizada na região do estreito de Gibraltar, entre Tarifa (Espanha) e Tanger (Marrocos), em 2007. Impressionantes.

Carlos Jimenez é critico de arte e curador independente. Professor de Estética da Univeridad Europea de Madrid e autor dos livros Extraños en el Paraiso e Los Rostros de Medusa.

*Publicado originalmente na edição impressa #4.