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Postado em 21/12/2012 - 7:29
Ativismo de sofá
Ronaldo Bressane

Mais radical, mais acomodada – ou a juventude nunca passou de um mito romântico criado pelas esquerdas dos anos 60?

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Legenda: Manifestação do movimento Existe Amor em SP na Praça Roosevelt

“Jovens, envelheçam”, pedia Nelson Rodrigues aos seus contemporâneos caçulas, em uma época em que simplesmente assumir-se como “jovem” já parecia uma heresia. O jovem, cada vez mais, parece saído de uma propaganda de refrigerante (para ecoar outro bardo imortal, Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Hawaii, na canção Terra de Gigantes). Muito mais interessado em replicar o status quo apoiado na aceleração tecnológica e consumista do que em tentar elaborar um modelo alternativo ao establishment. Ao contrário da juventude dos anos 1960, a juventude dos anos 2010 não quer saber de drop out. Está mais interessada em cair dentro da atual realidade, pautada na grana da cultura digital. Se seu ídolo, nos 1960, foi o contestador Bob Dylan, hoje é o almofadinha Mark Zuckerberg; se antes uma marca Apple remetia ao ideário dos Beatles, a Apple de hoje se propõe como modo de produção ideal. Certo?

Mais ou menos. Para começar, a própria definição do que é “juventude” é mais diversa hoje do que há 50 anos. “O jovem 2012 parece muito mais conservador do que o de 40, 50 anos atrás. Percebamos isso por conta de nosso contato excessivo em redes sociais: jamais o jovem pôde dizer tanto o que pensa   ̶ e jamais foi tão ouvido”, entende o jornalista Pablo Miyazawa, editor da revista Rolling Stone. “Antes, as palavras da juventude precisavam ser gritadas nas ruas para fazer diferença. Hoje é possível formar massa crítica com centenas de engajados no Twitter. Tudo isso causa a falsa impressão de que a maioria dos jovens de hoje é mais acomodada”, diz. 

Ronaldo Lemos, professor de cultura digital na Fundação Getúlio Vargas, pondera que os ideais de maio de 1968 se esgotaram. “A geração de 68 produziu ideias e pessoas incríveis, mas começa a sair de cena. Pragmatismo não é conformismo: grande parte dos jovens quer mudanças profundas – no curto prazo. Eles não têm paciência de esperar por mudanças lentas nem de planejar o longo prazo, como os dos anos 60, quando um componente significativo da ideia de ‘revolução’ dizia respeito a um ideal contemplativo, de mergulho e transformação na esfera individual e privada. O jovem de hoje é mais propenso a participar da vida pública do que em 68”, afirma Lemos. Mas, sim, não temos mais Bob Dylans – o rock perdeu o papel de principal canal de protesto nos anos 1970. “Ídolos não levantam mais bandeiras, mas o engajamento de sofá tornou-se a opção mais acessível. É só xingar no Facebook. Somos acomodados porque o mundo hoje nos permite tal luxo”, diz Miyazawa.

Novos embates

Mas há quem veja uma nova briga entre grupos conservadores e contestadores, como o sociólogo Ricardo Musse. “O neoconservadorismo foi detectado já nos anos 70, em oposição aos libertários de 68, por um paradoxo: eram a favor da modernização social e econômica, mas se opunham à modernização cultural e comportamental”, lembra ele. “Nos anos 80 e 90 prevaleceram os valores estabelecidos, gerando pensamentos intelectuais jovens na contramão dos valores das décadas de 60 e 70. Mas hoje há uma disputa entre os dois grupos: um retorno ao pensamento libertário dos 60 e um embate com os neoconservadores, catalisado e potencializado pelo fracasso das políticas neoliberais, em crise. Daí surgirem tanto os movimentos Occupy como os movimentos de cultura digital, como o Existe Amor em SP, calcados nos modelos de organização e rebelião dos anos 60”, afirma o professor da USP. 

O jornalista Miyazawa contesta esses movimentos: as causas atuais seriam descartáveis. “Se 1992 fosse hoje, o jovem não iria às ruas pedir o impeachment de Collor: faria um tuitaço. Já Lemos não crê mais na diferenciação entre conservadores e liberais. “Há jovens tanto de ‘esquerda’ quanto ‘de direita’ integrados profundamente ao sistema capitalista (como no Silicon Valley), espalhando conceitos que produzem disrupções imensas.” 

Outro sociólogo, Gustavo Venturi, ex-diretor do Datafolha, lembra que as pesquisas mais recentes sobre juventude, tocadas pelos institutos Ibase e Polis, detectam o mesmo confronto esboçado por Musse entre neocons e neo68s – e a mesma confusão entre direita e esquerda citada por Lemos. Venturi lembra que, no fundo, os jovens nunca se diferenciaram tanto assim da média da população. O hiato entre conservadorismo e liberalidade reflete tão somente a escolaridade de cada pesquisado. “Não temos estatísticas sobre a juventude dos 60, mas pode-se dizer que a maioria dos jovens sempre ecoou o grosso do que pensa a população: contestadores eram minoria”, afirma. “Hoje, quanto mais escolarizado, menos preconceituoso é o jovem. Os idosos são mais preconceituosos em relação a homofobia, discriminação racial e temas afeitos às minorias, por exemplo. A adesão à democracia, aqui, segue o padrão médio, 60%, mas, curiosamente, mais jovens se dizem de esquerda – entre 30% e 35% – do que de direita, que ficam entre 20% e 25%. Acho que existe uma idealização da juventude dos anos 60 que tem a ver com certas vanguardas dos anos 60, mas não com o conjunto daquela juventude”, diz. 

Em termos de comportamento, a pesquisa citada por Venturi ressoa no pensamento de Lemos. “Os jovens de hoje atualizaram a agenda da década de 60”, diz o professor da FGV. “A geração de 68 falhou epicamente em tratar de questões de gênero, de orientação sexual, de raça, das minorias, ou de sustentabilidade, agendas que tiveram embrião em 68, mas só desenvolvidas com sucesso agora.”

LSD bluetoofado

Um dos líderes da Casa Fora do Eixo, organização que promove shows e festivais culturais pelo Brasil – e que de certa forma ocupou o vazio de propostas do atual movimento estudantil –, Pablo Capilé, 30 anos, crê que os anos 2010 downloadaram os anos 1960. “Antes, eles tomavam LSD, hoje o LSD está bluetoofado”, brinca. “O digital proporcionou uma consciência psicodélica coletiva. Os jovens da década de 2010 estão mais preparados: ocupam as ruas, mas ao mesmo tempo hackeiam o Estado e o mercado.” Sim, mas continuam empunhando a bandeira com a efígie de Che Guevara. Não seria um saudosismo que também, paradoxalmente, sugere conservadorismo? “Os ídolos são eternos, mas a renovação está em curso: antes eram poucos e populares, hoje são muitos e invisíveis. São os ativistas do 15M, as redes brasileiras, a Primavera Árabe, o Anonymous, os Ocuppy.” 

Companheiro de ativismo na Casa Fora do Eixo, um dos responsáveis pela rede de webtv Pós-TV, Claudio Prado esteve entre os jovens radicais nos anos 60 (foi com Caetano e Gil para Londres), mas detesta saudosismo. “Essa molecada olha pra mim e baba quando digo que estive em um show do Hendrix, e diz: ‘Queria tanto ter vivido no seu tempo…’. Aí respondo: ‘Minha época é esta, não aquela. Hoje é mais tranquilo avançar nas políticas libertárias. Sobretudo no Brasil, os anos 60 foram uma merda! As batalhas dos 60 eram por paz, liberdade política e sexual, mas hoje temos o contrário”, afirma o ativista. 

Capilé crê que o individualismo dos 1960 foi substituído pela solidariedade das redes. “Saímos do ‘Do it Yourself’ para o ‘Do It Together’, e isso gera uma capacidade maior de operação e construção que pode ser confundida com pragmatismo”, afirma o ativista. Eterno otimista, Prado pensa que o modelo colaborativo está na raiz da transformação dos valores. “A cultura digital destruiu a lógica de ser competitivo em um emprego bacana: a molecada acredita que, quanto mais informação você distribui, mais mérito você tem, mais você vale – é o oposto do coxinha que quer concentrar dinheiro para si e mostrar o carrão. Hoje, a transgressão está escondida na fronteira com o consumo: celular, um supercomputador de mão, é não só o maior objeto de desejo do consumo e um meio de produção, mas também um instrumento para combater a alienação. Marx não seria marxista hoje, seria um hippie digital, se apropriaria dos meios de produção. Talvez as pessoas não tenham consciência desse processo… mas foda-se!”, ri gostosamente esse jovem de 69 anos.