icon-plus
Postado em 05/03/2015 - 7:28
Bate-papo com o ministro
Luciana Pareja Norbiato

Na quarta-feira, 4/3, Juca Ferreira e sua equipe conversaram com representantes da mídia livre e coordenadores de comunicação de entidades sociais para lançar bases da nova gestão e ouvir sugestões

Midia-1000 Copy

Legenda: Equipe do MinC em evento no Centro Cultural São Paulo nesta quarta, 4/3

Foi num clima informal que o Ministro da Cultura Juca Ferreira e sua equipe – o secretário de Políticas Culturais do MinC, Guilherme Varella; a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural, Ivana Bentes; e o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Francisco Bosco – receberam representantes da mídia livre e coordenadores de comunicação de entidades sociais, além da mídia tradicional, para lançar as premissas da próxima gestão e ouvir sugestões. A redação de seLecT esteve lá.

O encontro faz parte de uma série de eventos que buscam dar voz aos setores da sociedade para modelar uma política cultural que atenda às diferentes demandas, equilibrando a visibilidade de manifestações artísticas e culturais hegemônicas, populares e experimentais. “Tem gente que quer dizer o que pode ou não ser considerado como cultura e financiado com verba do MinC. Num debate, certa vez, disseram: funk não pode. Mas que tipo de censura é essa?”, declarou o ministro, numa demonstração de que a visão de cultura da gestão atual é ampla e “sem preconceitos”. 

Para chegar a essa democratização, a reforma da lei Rouanet e a implementação ampla do Fundo Nacional de Cultura, que aguarda tramitação no Congresso após sofrer algumas “mutilações”, segundo o ministro, foram exaustivamente frisadas. Isso porque Ferreira discorda do modelo de financiamento de 100% que a Lei Rouanet oferece como uma das faixas de isenção. “No modelo que temos hoje, as empresas deixam de pagar o imposto e reduzem seus custos de marketing pelo alto retorno de visibilidade que o incentivo oferece. E muitas vezes os projetos que são contemplados e conseguem o financiamento junto a determinada empresa já foram feitos em parceria com o departamento de marketing dessa empresa. Ou seja, é inadmissível que as empresas possam escolher como aplicar o dinheiro público”, declarou. Com o Fundo Nacional de Cultura, que se encarrega da seleção de projetos é o governo, já que as empresas contribuiriam para o Fundo em geral, e não num projeto específico.

Além do debate sobre financiamento, a intenção de intensificar pelo IPHAN o tombamento de bens imateriais, como o Kuarup das etnias indígenas Yawalapiti, Waurá, Awiti e Kamayurá, foi outro ponto destacado. A questão indígena, aliás, deve ser central nessa nova gestão: “claro que não podemos interferir na demarcação das terras, que não é da competência do MinC, mas vamos dar especial atenção a tudo o que estiver ao alcance do ministério com relação à questão do índio no Brasil”.

A ideia da nova gestão do MinC – que seria diferente da gestão anterior de Juca Ferreira, como ele fez questão de salientar – é a de valorizar iniciativas que colaborem para o fortalecimento da identidade cultural brasileira em sua diversidade e em todos os aspectos. Mais do que incentivar projetos artísticos e culturais, o MinC quer promover a consolidação e a difusão de uma identidade cultural ampla e forte.

Para tanto, a formação de redes entre os Pontos de Cultura foi salientada pela secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural, Ivana Bentes. “Não me interessa formar uma porção de Pontos autônomos, autocentrados. O que eu quero é promover a união de diversos desses pontos em redes que integrem atividades da mesma natureza, para que haja diálogo e disseminação de estratégias culturais”, ela declarou.

A preocupação com a disseminação das atuações leva, imediatamente, à atenção com a comunicação, pois o ministro considera que há parcialidade na mídia tradicional. De qualquer forma, mesmo incentivando a ação dos blogueiros através de contato direto e constante, o MinC também está em articulações com o MiniCom (Ministério das Comunicações), no sentido de criar pluralidade de vozes dentro do jornalismo formal e informal. Apesar de circunscrever sua atuação em comunicação à alçada do MiniCom, Ferreira não esconde o olhar atento à área: “gostaríamos que fosse um só ministério, o Ministério da Cultura e da Comunicação”.

Quem melhor sintetizou a prerrogativa atual do MinC foi o presidente da Funarte, Francisco Bosco: “A cultura brasileira foi pensada durante a maior parte do século 20 a partir de uma certa ideia de cultura popular, que é muito forte, e não é à toa. O Brasil é um país muito singular, onde a informalidade sempre foi um valor, um processo mais decisivo que a oficialidade do Estado. Basta dizer por exemplo que a nossa colonização informal feita por Caramuru, por João Ramalho, começou trinta anos antes da colonização oficial. Quer dizer, ao longo da nossa história, a sociedade brasileira sempre deu respostas inventivas e afirmativas às incapacidades das políticas de Estado de dar respostas sociais. Isso ao longo do século foi produzindo aquilo que no século 20 veio a se formar como uma cultura popular muito vigorosa, feita com características singulares da nossa sociabilidade também: a porosidade, a miscigenação”. 

“Não vamos entrar no mérito aqui de todas as ideologias que tentaram edulcorar esses processos. Esses processos de porosidade são reais, e criaram uma cultura cuja singularidade está diretamente relacionada a eles. Por exemplo, o que é o samba? É uma miscigenação de ritmos europeus e africanos, e misturou desde o início diferentes estratos sociais, o branco de classe média aos pretos pobres e iletrados e à cultura erudita. A cultura brasileira, formada por uma determinada mistura, permite vislumbrar um tipo de constituição social que nunca se realizou na sociedade brasileira. Esse é o ponto. Para nós, a cultura foi capaz de solucionar impasses que a nossa sociedade nunca conseguiu.” Ou seja, pela contemplação da cultura como correlato da sociedade, o MinC pretende propor aos cidadãos uma nova maneira de pensar a sociedade brasileira. Não é pouco, nem é fácil. Mas vale o esforço.