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Postado em 27/02/2012 - 6:28
Bullying em dose planetária
Angélica de Moraes

Tecla SAP nos livra de Rubens Ewald Filho, mas não de Billy Crystal

Billy-crystal

Legenda: Billy Crystal (Foto: Reuters)

Se os telespectadores brasileiros interferissem nos destinos da entrega dos Oscars, com certeza iriam dar um Oscar especial (por inestimáveis serviços prestados à preservação da paciência do público) à anônima, discreta e fundamental tecla SAP do canal TNT, que livrou boa parte da audiência da metralhadora de obviedades da narração de Rubens Ewald Filho. Mas para Billy Crystal não teve remédio. A Academia de Hollywood, dona da festa, ficou novamente refém das grosserias de humor duvidoso de Crystal, que não foi capaz de fazer decolar um espírito genuinamente festivo em um ano de orçamento magro. Ele comete esse erro há nove anos. Será que o bullying, esse desvio de caráter tão praticado na orgulhosa nação do Norte, tem cadeira cativa no espetáculo e já conquistou status de tradição nacional?

O diretor Martin Scorsese, do magnífico filme A Invenção de Hugo Cabret (Hugo) (leia a crítica publicada na seLecT #4), foi o grande injustiçado da 84ª premiação do Oscar. Mas não saiu de mãos abanando. Seu filme ganhou cinco Oscars: Fotografia, Direção de Arte, Mixagem de Som, Efeitos Visuais e Edição de Som. Todos prêmios técnicos merecidíssimos, embora o prêmio de Montagem, que também seria justo ganhar, tenha ido para Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres. De qualquer modo, vencerá em nossa memória. Impossível esquecer a inteligente montagem de Hugo, reunindo paródias de filmes clássicos de Meliès e cenas que revivem clássicos do cinema mudo. Escavação imagética bem mais refinada do que o também premiado O Artista.

Legenda: Trailer do filme O Artista

A Academia foi bastante auto-referente ao conferir os Oscars de Diretor e Filme: premiou a memória da Hollywood dos anos 1920 e 1930 e não a memória europeia celebrada por Scorsese em Hugo. É o velho umbigo norte-americano. Ironicamente, foi o diretor francês Michel Hazanavicius que fez reverência a esse umbigo.

A mulher de Hazanavicius, a atriz Bérénice Béjo, merecia bem mais uma estatueta dourada do que seu colega de cena, o canastrão Jean Dujardin. Mas fez-se justiça na premiação ao figurino de O Artista, especialmente pelos lindos vestidos art déco da protagonista, que explora muito bem superfícies foscas e brilhantes para compensar a ausência de cor. Béjo usa fartamente e sem a menor culpa ecológica deslumbrantes peles de raposa. Renards argentées, aliás. Aquelas que pegam neve para ficar com as pontas da pelagem do lombo prateadas.

Critérios desastrosos de economia cortaram na carne as atrações de palco da entrega do Oscar, substituindo a apresentação das canções indicadas à estatueta por uma constrangedora exibição de ginástica entendida como dança, a cargo do Cirque du Soleil. Não se pode dizer que não houve coerência na escolha: o documentário Pina, de Wim Wenders, sobre a grande coreógrafa alemã Pina Bauch (1940-2009), um dos favoritos da noite, perdeu para um documentário sobre beisebol (Undefeated, ainda sem data de lançamento no Brasil).

O roteiro de Undefeated baseia-se em fato real, claro, mas usa os mesmos e gastos clichês dos tediosos filmes de TV sobre times perdedores que conseguem se superar no último instante e atingir uma suada vitória. Sigmund Freud, se pudesse olhar os atuais e desanimados gráficos do desempenho econômico dos EUA, poderia tirar uma conclusão cristalina do fenômeno.

Este ano, os roteiristas da festa tentaram driblar os discursos de agradecimentos, recheados de listas de parentes, criando um bloco de entrevistas com as mães dos ganhadores. Sim, mais um mico para os candidatos a Oscar enfrentarem. Além do mantra “I’m so proud!” (eu estou muito orgulhosa), as doces mamães pouco avançaram em informações. Talvez tenha sido uma bênção aos filhos, de certo modo. Mas George Clooney, que escapou ileso a sua mãe, acabou protagonizando uma das cenas mais toscas de Billy Cristal: no video com paródia dos filmes nominados, Cristal sapecou um beijo na boca de Clooney, do filme “Os Descendentes”.

Piada finíssima fez o veterano Christopher Plummer, de 82 anos e o ator mais idoso a ganhar Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Ganhou-o pelo filme Toda Forma de Amor, onde faz o papel de um homossexual que resolve sair do armário depois de velho. Plummer olhou demoradamente a estatueta dourada e disse; “Acho que agora posso dar um beijo em você, apesar de você ser dois anos mais velho do que eu”.

Os ânimos patriotas de Pindorama precisarão ficar guardados na gaveta por pelo menos mais um ano. Afinal, o “Quem sabe no próximo?” é nosso lema nacional. O compositor e intérprete Sérgio Mendes, radicado nos EUA há décadas, concorria ao prêmio de Canção Original (em parceria com Carlinhos Brown e a norte-americana Siedah Garrett), pelo tema do longa-metragem de animação Rio.

Sergio Mendes está em boa companhia: ninguém menos que Ary Barroso (1903-1964), o grande compositor da era do rádio, perdeu o Oscar de trilha sonora pelo hoje antológico filme de animação Você Já Foi à Bahia (1944), dos estúdios Disney. Claro que Rio é, com muita boa vontade, apenas um remake pouco inspirado dessa antiga glória protagonizada pelo papagaio Zé Carioca.

Nesta 84ª edição do prêmio, ganhou a música de Bret McKenzie para o retorno triunfal dos bonecos Muppets no filme Man or Muppet (Homem ou Muppet). Com direito a uma deliciosa cena especialmente gravada por Miss Piggy e o sapo Caco, em balcão cenográfico em miniatura do teatro do Oscar (ex-Kodak Theatre, atual Hollywood and Highland Center).

Veja, a seguir, a lista dos principais premiados da 84ª edição do Oscar:
Melhor direção: Michel Hazanavicius, por O Artista
Melhor filme: O Artista
Melhor ator: Jean Dujardin, por O Artista
Melhor atriz: Meryl Streep, por A Dama de Ferro
Melhor maquiagem: Mark Coulier, por A Dama de Ferro
Melhor ator coadjuvante: Christopher Plummer, por Toda Forma de Amor
Melhor atriz coadjuvante: Octavia Spencer, por Histórias Cruzadas
Melhor roteiro original: Woody Allen, por Meia-Noite em Paris
Melhor filme estrangeiro: A Separação (Irã)
Melhor direção de arte: Dante Ferreti e Francesca Lo Schiavo, por Hugo
Melhor fotografia: Robert Richardson, por Hugo
Melhores efeitos visuais: Rob Legato e equipe, por Hugo

Melhor mixagem de som: Tom Fleischman e John Midgley, por Hugo
Melhor edição de som: Philip Stockton e Eugene Gearty, por Hugo
Melhor canção original: Bret McKenzie, por Os Muppets
Melhor trilha original: Ludovic Bource, por O Artista
Melhor animação: Rango