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Postado em 08/05/2012 - 3:04
Cadeira com pinturas
Juliana Monachesi

Diante das novas obras de Andy Coolquitt, a crítica Roberta Smith refaz a pergunta: Cultura ou lixo?

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Legenda: Somebodymade: Kippenberger O O O O (2012), assemblage de Andy Coolquitt

A crítica do New York Times Roberta Smith começa impiedosa a resenha da exposição Chair W/ Paintings, publicada no jornal nova-iorquino na sexta-feira, 27 de abril: “Andy Coolquitt ultrapassa todos os limites nesta mostra ambiciosa, e isso pode ser um pouco demais. Sua terceira exposição individual com Lisa Cooley enche sua enorme nova galeria com esculturas esguias e remendadas, criando a aparência de uma venda de remarcações excêntrica ao mesmo tempo em que escancara as divisões correntes entre marginal e iniciado, auto-didata e estudado, lixo e assemblage, e entre arte, artesanato e design. Os resultados são tanto atraentes quanto incômodos, misto de sincera modéstia com estranho e sutil auto-engrandecimento”.

A exposição, segundo Smith, cobre o espectro entre encontrado e feito de maneiras esclarecedoras, “evocando falta de moradia, uso de drogas e a vida nas bordas de uma sociedade que desperdiça cronicamente”. Coolquitt faz escultura a partir do que tem à mão, desde uma imensa caixa de madeira desbotada, que ele encerra em Plexiglas claro e cerca algo ritualisticamente de detritos, até uma caixa pequena, igualmente desbotada intitulada Tragédia Familiar: “De acordo com a lista da galeria, ela contém os restos de uma ninhada de esquilo que ele matou acidentalmente depois de encontrar a embalagem alojada no beiral de seu estúdio”, narra a crítica friamente.

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Legenda: Grupo de somebody-mades coletados por Coolquitt

“Volumes fechados à parte, a forma escultural preferida do Sr. Coolquitt parece ser uma espécie de haste multicolorida estendida e soldada a partir dos isqueiros de plástico usadas por viciados em crack ou a partir de seções curtas de quadros de bicicletas descartados. Encostados na parede, isoladamente ou em grupos, estes sugerem novas versões de lanças cerimoniais ou varas de condão. Ele também cria pinturas ocasionais com pequenos pedaços de tecido barato listrado ou tracejado.”

Além disso, ele se utiliza largamente de objetos que intitula Somebodymades: objetos que foram fixados uns aos outros por outras pessoas e, depois, abandonados. “Estes vão de pilhas de copos de plástico amarelados até grupos de estranhas varas e vassouras, dutocoladas ou estendidas com plugues elétricos ou bolas de tênis. Em um obra intitulada Esta Vitrine Não Funcionam, tais elementos se apoiam contra a parede como sucatas em um barracão de quintal, mas são realçados por um cubo minimalista quase invisível feito de vigas de aço fino canelado”, descreve ainda Roberta Smith.

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Legenda: This Vitrine Don’t Work (2012), assemblage de Andy Coolquitt composta de bolas de tênis, ferro, plástico, madeira, lâmpadas, fita adesiva, carpete, fibra de vidro, bronze e cabo de aço (Foto: Divulgação / cortesia galeria Lisa Cooley)

As descrições de Smith, sempre generosas, facilitam a visualização da exposição mesmo para quem está no hemisfério oposto: “StrawS [Canudos] acumula um conjunto de latas de refrigerante vazias com canudos em sacos de papel sobre um pequeno banco angustiado, juntamente com um par de lâmpadas feias, mas funcionais. Duas obras semelhantes lotam os topos de pedestais que se assemelham a um conjunto de luminárias de chão remendado com imitações de estatuetas e esculturas modernas de mãos com os dedos médios levantados: uma afronta ligeiramente imatura ao bom gosto”. (Detalhes das “luminárias” que servem de pedestal aos bizarros grupos de esculturas podem ser vistos na galeria acima.)

E então, a crítica do NYT vai direto ao ponto: “Mas, na verdade, um bocado do trabalho do Sr. Coolquitt é de bom gosto, porque é familiar, isso se não for na verdade bem cativante e agradável. Ele deriva de outros peritos do descartado e remendado, incluindo Gabriel Orozco, Jack Pierson, David Ireland, Martin Kippenberger e Jim Lambie, bem como diversos designers de reciclagem e bricolagem que têm tomado emprestado da arte marginal e vagabunda por anos. Também familiar é a forma como esta mostra como um todo abunda da ambição escultórica dos velhos tempos. Que as peças individuais tenham êxito em dizer algo diferente e mais comovente torna o Sr. Coolquitt um artista que vale a pena observar.”

Bricolagem alquímica?

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Legenda: O artista, em primeiro plano, limpando a fonte em frente à sua casa na cidade texana de Austin

Andy Coolquitt é mais conhecido do público pela obra em processo que ele começou em Austin, Texas, como parte do seu projeto de tese de doutorado para a University of Texas em 1994. Trata-se de uma casa, ou uma performance/estúdio/espaço doméstico que ele criou quando se mudou no início dos anos 1990 para Austin, onde ainda vive atualmente, e que continua em mutação até o presente. A casa-obra, aberta para visitação e palco de eventos de arte que fazem com que os comentadores considerem o local um espaço independente destinado a experiências contemporâneas, é o principal exemplo da filosofia de Coolquitt segunda a qual a escultura seria um facilitador de conexões sociais.

Da perspectiva de um artista Merzbau que se vale de objetos descartados para criar assemblages, mas que estão longe (os materiais escolhidos por ele) de ser arbitrários – o exemplo mais agudo disso sendo os isqueiros que ele coleta em pontos de consumo de crack e que, segundo outras leituras da obra do artista, funcionam como metáfora de energia e de dinâmicas sociais borderline – a análise de Roberta Smith no NYT se torna, no mínimo, relativa. Talvez mesmo questionável.

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Legenda: Counter (2012), obra de Coolquitt feita de madeira, alumínio, metal e plástico

Outra questão que Coolquitt persegue é a da proximidade ou união – junção, simbiose – entre coisas distintas, que parece ultrapassar a simples lógica da colagem para se dirigir a algo além dela. Na atual exposição na galeria Lisa Cooley, por exemplo, a grande escultura de madeira revestida de Plexiglass se chama Counter, como a sugerir a função de um antigo balcão no meio da exposição – um lugar de encontro, um ponto de apoio para pessoas e objetos. “Ele a considera o elemento central na exposição e também o ponto de vista privilegiado para observar as obras colocadas contra as paredes. A escultura evoca simultaneamente conexão, transação, display e comércio, ao mesmo tempo em que infunde seu vocabulário minimalista com sugestões evidentes da figura humana”, afirma o texto de apresentação da mostra.

E muito embora as esculturas pareçam herdeiras do minimalismo, de perto elas revelam características de sinceridade e caos, recusando uma tal filiação: “Tragédia Familiar, aparentemente uma simples caixa de madeira, na verdade encerra uma família de esquilos de bebês morta, um monumento a um acidente desafortunado no estúdio do artista. Longe dos gestos austeros do minimalismo, as esculturas abarcam materiais humildes e possuem uma qualidade humanística”, exemplifica enfaticamente o texto do release.

Encontro em outros textos sobre o artista internet afora alusões a uma “bricolagem alquímica”. É interessante como diferentes textos sobre a obra de Coolquitt falam da importância que o artista dá à não atribuição do estatuto de arte aos “somebody-mades” e também a uma outra família de objetos que ele chama de inbetweens (“objetos entre”): “Coolquitt mostra sua discretas esculturas ao lado de objetos não-artísticos, investigando um tema de sua prática com ambientes imersivos. Objetos encontrados se comunicam com as obras acabadas. Eles não são ready-mades, o que os inseriria na história da arte e os reivindicaria como pertencentes ao artista. Ao contrário, ele os denomina somebody-mades porque ‘outro ser humano os designou e construiu’. Já os ‘objetos entre’ estão em processo de se tornar – ou estão resistindo a se tornar – obras”, informa o release de uma mostra anterior na galeria Lisa Cooley.

Refazer a pergunta infame de James Gardner (Cultura ou Lixo?, publicado no Brasil pela editora Civilização Brasileira em 1996) diante da obra de Andy Coolquitt só pode resultar em uma enfática resposta: Cultura da melhor qualidade!