icon-plus
Obra de Paul Setubal no Instituto Tomie Ohtake
Postado em 06/06/2018 - 1:19
Caderno de notas: Paul Setúbal
Artista goiano, presente no Arte Atual Festival, fala sobre corpo, violência e absurdo
Priscyla Gomes

O corpo é uma dimensão constantemente explorada na produção de Paul Setúbal, seja como modo de vivenciar e testar seus limites físicos, seja como uma forma de traduzir situações de poder. O conjunto de trabalhos aqui apresentado aborda a dimensão da violência policial e seus instrumentos de coerção, fazendo do corpo do artista molde e veículo de uma atuação abusiva.

O artista realiza uma performance vestido como vigilante, e caminha ciclicamente dentro de uma sala branca e vazia. Como um vigilante do nada, sua ação nos faz questionar a racionalidade de seus intentos. O ritmo de seus passos é quebrado pelo golpear de cassetetes nas paredes; assim, o espaço expositivo desocupado é, agora, tomado pela repetição e pelos ecos de suas pancadas. Esse embate com um inimigo que não se enxerga encontra logo à sua frente uma série de 30 cassetetes moldados em bronze fundido e cera negra. Todos esses instrumentos trazem as dimensões de objetos originais usados em ações táticas, com variações. O artista imprime, em cada uma das peças, marcas de partes de seu corpo revelando vestígios corporais do agressor. A solidez das peças é desfeita assim pelo caráter de denúncia, trazendo a serialidade e a multiplicidade desses desmandos expostos pela crueza de seu arranjo sobre as duas chapas de metal.

Qual a sua formação, e por onde tem se direcionado o seu trabalho?

Acabei de concluir o doutorado em Arte e Cultura Visual e sou licenciado em Artes Visuais pela UFG. Vivo em trânsito por São Paulo, Brasília e Goiânia. Essa situação de constante movimentação tem influenciado meu trabalho, que vai fazendo um compilado dessas diferentes situações geográficas que vou vivendo, de um Brasil ainda rural, sua capital e sua grande metrópole. É assim que existe uma faceta de situações políticas e sociais em minha pesquisa: vou vivendo e sendo impactado por esses diferentes processos e a pesquisa é uma reverberação de como o corpo se porta ou lida diante das adversidades do cotidiano, suas relações de força e poder. Cresci em uma situação fronteiriça entre capital e interior, regiões tomadas pela violência, e que lidam constantemente sob a pressão de progresso, que produzem uma enorme discrepância de renda, autoritarismos, que são alguns fatores da atual crise em que vivemos. Venho de uma formação do trabalho braçal, periférico, de um corpo masculino que foi formado para lidar com situações de esforço e limite. A pesquisa está sempre atenta a tais questões, e de certa forma, convoca a experiência encarnada em meu corpo para a produção dos trabalhos.

Como se deu a proposta para o Festival Arte Atual? Conte um pouco do processo de elaboração e montagem.

Como o corpo é quase sempre convocado em minha pesquisa, vou descobrindo suas mecânicas e também seu uso. No vídeo, “Por que os joelhos dobram”, exibido na exposição, tive a intuição que em meu corpo estava encarnado uma técnica de violência, do manuseio do cassetete, sem que eu lidasse cotidianamente com aquele instrumento. Isso é devido a minha formação, um corpo que já sentiu a força daquele instrumento e cresceu sendo formado por instrumentos e aparados de contenção, quanto rodeado por imagens das mídias que expõe os abusos e agressões ocasionados pela utilização daquele instrumento. Acredito que, ao ver o vídeo e ao escutar o som das pancadas ecoarem pelo espaço, o outro reconheça em seu corpo a potência daquele gesto. Um dos rumos que meu trabalho tem tomado é cada vez mais descarnar a mecânica do gesto. Ora nas ações, ora nas pinturas e objetos. Em “Compensação por Excesso” há uma tentativa de gravar a mecânica do gesto e impacto do instrumento, gerando um possível documento. É assim que os cassetetes gravados com marcas humanas buscam recompor uma mecânica da violência. Dispostos em mesas de ferro cuja dimensão é aproximada de uma mesa hospitalar, as peças podem ser examinadas pelo visitante.

A proposta para o Festival Arte Atual operou na possibilidade de ampliar tanto o absurdo que envolve o vídeo e as esculturas, quanto à serialidade das peças ou das pancadas na parede.

Pensando no tema da exposição, nas noções de absurdo, acúmulo e serialidade, como você vê essa discussão refletida no seu trabalho?

Acredito que, é da natureza desses trabalhos evocarem essas questões: há um excesso, um acúmulo e uma serialidade de situações violentas que nos rondam cotidianamente e de situações absurdas como regra. Muitas vezes o trabalho opera nestas frequências, quase como uma resposta a uma situação marcada em meu corpo. É assim que apresentar uma série de absurdos escultóricos foi uma possibilidade expográfica dos trabalhos. E para as esculturas, foi preciso evocar um processo de exibição tão duro e absurdo quanto os objetos, deixando em suspensão duas chapas de ferro, com suas marcas em estado bruto, rigidez e peso em estado flutuante.