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Memória Descritiva #2 (2013), fotografia da série homônima da portuguesa Catarina Botelho. (Foto: Catarina Botelho)
Postado em 21/07/2015 - 2:00
Canção do exílio
Produção artística de países de língua portuguesa coloca-se como roteiro para discussão sobre memória e identidade
Luciana Pareja Norbiato

Acomodada na sala sucinta do Sesc Pinheiros, a mostra curada por Agnaldo Farias realiza o prodígio de transmitir sensações de degredo e distância por meio da economia de obras de artistas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal. Não à toa, a exposição coloca-se como um ensaio que busca articular a produção artística dos países lusófonos. Mas sua limpeza, quase construtiva, desdobra-se numa profusão de sentidos, remontando ao passado para lançar um olhar desencantado sobre a atualidade.

Nesse contexto, não só os olhos trabalham para produzir nexos. Nas instalações de O Grivo e Chelpa Ferro, a impressão de deslocamento do imigrante dá-se tanto pelo rearticular de sonoridades banais quanto pela remodulação do som ambiente. Há também o estranhamento físico do confronto com grandes dimensões em Pororoca, de Guto Lacaz, uma imensa escultura de contornos concretistas com grandes aros articulados e entrecruzados.

É a matriz europeia da colonização portuguesa que se insere como dado organizacional nas obras de apelo geométrico, em contraponto a uma ou outra reminiscência orgânica que insiste em permanecer. Caso da obra da moçambicana Ângela Ferreira, que sobrepõe horizontalmente duas fachadas de prédios, uma modernista e a outra ultracontemporânea. Os confrontos entre tempos, entre Europa e as terras novas nos remetem à pluralidade identitária intrínseca ao imigrante – em sua permanente dúvida entre agarrar a memória do que já não conserva ou arremeter à incerteza do futuro desconhecido.

Paradigmaticamente, é uma artista portuguesa quem funciona como baliza da exposição. As fotografias de Catarina Botelho registram objetos de limpeza, como rodos e esfregões, meticulosamente posicionados em salões de mármore. O atrito entre esses elementos e a ausência humana nas imagens denuncia a perpetuação de um preconceito racial que começa com a dizimação dos nativos americanos e com a mercantilização do negro para servir ao homem branco. Dentre todas as fronteiras flagradas pelos trabalhos, essa, que se constitui no próprio observador, é a que mais necessita ser rompida.

Serviço
Exposição “As Margens dos Mares”
Sesc Pinheiros
Rua Paes Leme, 195, Pinheiros, São Paulo
Até 2 de agosto.
Terça a sexta 10h às 22h; sábados, domingos e feriados 10h às 19h
Grátis