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Postado em 18/11/2011 - 6:36
Caos decepcionantemente sóbrio
Juliana Monachesi

Obras de Levine no museu do Whitney se parecem, na opinião da crítica do NYT, com objetos de boutique empoeirados de ironia

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Crânios de cristal integram a exposição de Sherrie Levine no Whitney (Foto: Librado Romero/The New York Times)

O nome da exposição da artista norte-americana Sherrie Levine em cartaz atualmente no Whitney Museum of American Art, em Nova York, é Mayhem, que significa desordem ou caos. Palavra forte, mas não fora de lugar, começa a incansável Roberta Smith em crítica publicada no NYT da última sexta-feira (na mítica data de 11.11.11). A palavra não estaria sendo usada indevidamente porque, afinal, Levine é mundialmente conhecida pela prática da apropriação, que -esta sim- tira tudo do lugar (acima de tudo, a ideia moderna de originalidade). A artista já “refotografou” obras de nomes canônicos da fotografia moderna, como Karl Blossfeldt, Edward Weston, Walker Evans, Samuel Gottscho e William Schleisner, já refez esculturas de Brancusi, Duchamp e Man Ray, e replicou sob sua assinatura pinturas de Courbet, Seurat, Monet, Mondrian, Malevich, Schiele, Kirchner, Miró e Klein.

“Por mais de 30 anos Levine tem astutamente roubado imagens e formas de trabalhos de conhecidos artistas e fotógrafos modernistas, utilizando-os, seus admiradores mantêm, de forma a minar as noções convencionais de originalidade, maestria artística e autoria. Seu objetivo parece ter sido expor males como a mercantilização ou fetichização do objeto de arte único e desbastar os mitos da criatividade individual, que historicamente têm servido artistas do sexo masculino e seus mercados”, concede Roberta Smith. Porém, prossegue: “Mas nada parecido com um caos ocorre nesta exposição. Acima de tudo, a mostra é decepcionantemente sóbria, semelhante a uma boutique de arte decorada com bom gosto, cheia de objetos meticulosos, de aparência cara e levemente empoeirados com ironia. Eu gostaria de pensar que a sra. Levine é uma artista melhor do que isso, mas eu não tenho certeza. Seja lá qual for a vivacidade que sua arte exibiu no passado, parece ter sido quase toda deixada na porta”.

Sobre as refotografias de Levine: “Vinte e uma das imagens de Evans -refotografias de seus retratos da era da Depressão de arrendatários do sul, abrigos humildes e igrejas esgotadas pelas intempéries, intituladas After Walker Evans- iniciam a mostra do Whitney. Elas ainda representam a arte da apropriação dos anos 1980 em seu ápice de provocação: uma afronta mental, senão visual, executada bem o suficiente para ser lida também como um tributo. Mas é a claridade e a paixão das imagens de Evans que nos prendem, mais do que o gesto subversivo da sra. Levine”.

Sobre a “opulenta tradução” da pintura La Fortune, de Man Ray, em quatro mesas de sinuca idênticas, “de aparência vitoriana com pernas bulbosas que se projeta da tela de Man Ray quase como um trampolim” (pintura que inclusive pertence ao Whitney e está exposta nas galerias do segundo andar do museu, em mostra de acervo): “Fabricadas de mogno escuro e reluzente e recobertas com o exuberante feltro verde, em 1990, as mesas da sra. Levine formulam um comentário irônico sobre o Minimalismo, especialmente sobre as grandes caixas seriadas de Donald Judd e seus planos de cores saturadas, e sobre o movimento como uma espécie de clube dos homens. E não é sempre que uma imagem surrealista bastante familiar é tão habilmente processada como um objeto”.

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La Fortune (1938), de Man Ray, óleo sobre tela da coleção do Whitney (Foto Divulgação)

Sobre a releitura de Levine para a escultura O Recém-Nascido, de Constantin Brancusi: “As versões da sra. Levine para a ovóide Newborn de Brancusi, a cabeça semi-abstrata de um recém-nascido que ela molda em vidro e cristal, se aproximam muito de perto de ofertas de loja de museu. E uma série de oito caveiras humanas de vidro em vitrines separadas demonstra que, sem uma fonte específica de história da arte, as esculturas ficam mudas, a menos que sejam franca e simplesmente horríveis. Uma escultura de bronze polido de um esqueleto de bezerro de duas cabeças, Deus Falso, parece voltada para o mercado de arte, mas não passa de um luxuoso clichê”.

Roberta Smith finaliza seu texto elogiando as pinturas de Sherrie Levine, um dos poucos momentos de “pegada artística” real, na sua opinião.