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Postado em 04/08/2015 - 4:00
Carnaval concreto
Luciana Pareja Norbiato

O mexicano Damián Ortega inaugura mostra na Fortes Vilaça nesta terça (4/8) ampliando a pesquisa iniciada no MAM Rio

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O artista em ação, escavando o cubo branco de isopor que está na sala principal da galeria

Por mais diversos que sejam seus materiais, os trabalhos de Damián Ortega têm uma premissa comum: mesmo quando tudo o que se vê no espaço expositivo é o resultado final, a obra acabada, o processo de sua realização sempre se impõe ao público. Seja com a exibição ao alcance da mão de ferramentas de todos os tipos, seja pela decomposição de artefatos complexos da mecânica, como carros e caminhões, o artista parece querer mostrar a todo tempo que as coisas não são apenas a matéria visível, mas os procedimentos realizados por pessoas.

Uma dessas obras, um caminhão que se adivinha pelos acessórios cromados de sua carroceria (foto abaixo), quase como um fantasma, está em cartaz na exposição Invento – As Revoluções que nos Inventaram, em cartaz na Oca (Pq. Ibirapuera, São Paulo) até 4 de outubro.

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Materialista, de Dámian Ortega, em cartaz em mostra na Oca (SP)

Em sua mostra exibida no MAM Rio entre 15 de abril e 21 de junho últimos, ele trouxe para o espaço expositivo monumental um grupo de jovens trabalhadores do Carnaval carioca, comumente ocultos quando as escolas passam pela avenida. Na exposição, eles trabalhavam diante dos olhos do público, esculpindo grandes blocos de isopor tirados de um aglomerado ainda maior, quase um iceberg que “derretia” à medida que surgiam réplicas de obras icônicas da arte universal e contemporânea.

Uma ruína asteca encarava o Balloon Dog de Jeff Koons, lado a lado com um Giacometti. Todos esculpidos pela mesma técnica usada para criar as alegorias carnavalescas, em isopor recoberto com gesso. Lá, o processo era evidente e os trabalhadores saíam do ostracismo. Mas como desenvolver essa pesquisa para caber numa galeria?

A resposta pode ser vista a partir desta terça, 4 de agosto, na Fortes Vilaça, quando acontece o vernissage de Paisagem, nova mostra de Ortega em solo brasileiro. Aqui, o minimalismo toma o lugar da exuberância de trabalhos anteriores. Duas peças compõem a mostra, seguindo a mesma dinâmica que norteia o trabalho do mexicano – e são realizadas em isopor por alguns dos artistas do Carnaval.

A primeira, localizada no teto do foyer da galeria, é uma réplica da marquise vazada do Edifício Bretagne, projetado pelo arquiteto modernista João Artacho Jurado. Estão ali até as reentrâncias das pastilhas, fielmente reproduzidas no isopor. Acima dos círculos ocos, uma luz artificial sugere a dissolução dos limites da galeria, ao mesmo tempo que reforça essa impossibilidade.

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Réplica da marquise do Edifício Bretagne, ícone da arquitetura moderna, no teto do foyer

Na sala principal, um cubo branco de 2,5m³ parece ser inteiriço, mas ao circundá-lo, nota-se a enorme concavidade escavada com o artefato rudimentar usado nos barracões carnavalescos – um pedaço de madeira com vários pregos, que lixam o isopor. Ao redor da obra, jazem como testemunhas da ação humana os resíduos de isopor que grudam nas pernas, nas roupas, nos cabelos de quem quer que encoste neles. O cubo dentro do cubo deixa de ser importante quando o que há ao redor é a sobra, o resto não descartado.

A perfeição concreta – ideal platônico inatingível – das duas obras dissipa-se na evidência do esforço humano. Seja ele empreendido para deixar apenas a casca de um cubo gigante, por meio da árdua repetição do gesto de lixar aos poucos, camada por camada, a matéria maciça; seja na impossibilidade de trazer para dentro do espaço expositivo a dimensão do mundo.

As obras apontam para aquilo que está além delas, não importa qual técnica tenha sido usada na realização: através da dimensão humana, elas ganham sentido e tornam-se reais. É pelo braço empunhando o instrumento que a técnica adquire intenção e confere forma, conceito, ideia ao material inerme. Por essa perspectiva, o maior feito humano não reside na materialidade, mas nas pessoas cuja artesania permite que a obra de fato exista.