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Postado em 27/10/2014 - 7:33
Como escrever sobre coisas que não existem
Tobi Maier

Ao abordar temas sociopolíticos urgentes, curadoria da 31ª Bienal de São Paulo faz uma exposição politicamente engajada e arquitetura culmina em espetáculo do pós-moderno

Ufo

Legenda: Interior da obra Projeto AfroUFO (2014), de Tiago Borges e Yonamine Parte (foto: Sofia Colucci / Fundação Bienal de São Paulo)

O título da 31ª edição da Bienal de São Paulo acima mencionado é somente uma das várias designações que a equipe curatorial escolheu para nomear a mostra. A Bienal parte do contexto contemporâneo brasileiro e paulistano e, muito antes da abertura, deu início a encontros abertos em todo o País, que hoje continuam a evoluir por meio de palestras e performances. Essa ênfase na temporalidade discursiva da arte se desdobra na arquitetura. O térreo do pavilhão está aberto para a livre circulação, convertido em espaço “público”, e a contagem de visitantes por meio de catracas só começa na subida para o primeiro pavimento.

A partir de um desejo de gerar conflitos, pensar e agir coletivamente, a curadoria intencionou mostrar perspectivas sobre a política, religião, gênero, economia ou as estruturas sociais na vida contemporânea, abrindo caminhos para outras abordagens que transformam a hegemonia da representação de imagens e vozes à nossa volta. Em geral, esses são temas pouco abordados na produção artística contemporânea no Brasil, que ganham nesta Bienal uma visibilidade imprescindível. Se a arte desempenha um papel na reformulação do futuro, muitos dos artistas da 31ª Bienal são representados por projetos de natureza colaborativa. Com poucas atividades artísticas projetadas na cidade, o pavilhão é o espaço agregador dessas iniciativas, que podem dar a impressão de serem mera documentação visual de desempenhos ativistas.

Trazendo a rua para dentro da instituição, o filme Wonderland (2013) de Halil Altindere, é um documento poderoso da raiva, resistência e esperança urbana. O coletivo de hip-hop Tahribad-ı İsyanın, de Istambul, ficou famoso pelos seus vídeos postados na internet e virou protagonista nessa produção comovente que combate a gentrificação num bairro historicamente ocupado pela população Romani. Na mesma linha, e com um tom explicitamente político, projetos como o filme Apelo (2014), de Clara Ianni e Débora Maria da Silva, ou a instalação Espacio para Abortar (2014), do coletivo boliviano Mujeres Creando, discutem a violência sancionada pelo Estado no Brasil ou a repressão de um patriarcado sobre mulheres em países da América do Sul, onde o aborto é ilegal.

AfroUFO (2014), de Tiago Borges e Yonamine, com contribuição musical de Cibelle Cavalli Bastos, representa a possibilidade de fuga, ou a viagem para outra realidade no futuro. Com um som eletrônico, grafite fluorescente, animações em HD e em preto e branco, que evocam o espirito neoconcreto, AfroUFO é uma das poucas obras na mostra que nos aproximam das estéticas e ansiedades no universo post-internet, em que muitos de nós vivemos. Se um dos objetivos da arquitetura era tecer uma homenagem ao prédio moderno de Oscar Niemeyer (a 31ª é a primeira bienal depois da morte do arquiteto), no terceiro andar, ela culmina num espetáculo do pós-moderno. Como num altar, chegamos à instalação de filmes de Mark Lewis (Invention, 2014). Entre paredes de vidro espelhado assistimos às imagens tranquilizadoras de lugares enigmáticos de São Paulo, entre eles as escadas do Copan e da estação do metrô de Pinheiros (que dialogam espacialmente com as escadas do próprio espaço expositivo) e, em uma segunda projeção, cenas da Galeria do Rock alternam com imagens do Minhocão. Um dos poucos projetos organizados dentro desse contexto urbano do Centro de São Paulo é o Teatro da Vertigem, que entre 3/10 e 7/12 reapresenta A Última Palavra é a Penúltima – 2 (2008/2014).

A Bienal aborda muitos temas sociopolíticos urgentes e dá ao visitante amplo espaço e tempo para se envolver com eles. Assim, é uma mostra politicamente muito correta. Porém, muitos dos vídeos atingem um tom didático e certas instalações são impossíveis de entender sem o guia na mão. Estes são equilibrados com projetos nos quais o espectador pode se envolver em debates ecológicos diretamente com os artistas ou seus representantes (Otobong Nkanga’s Landversation, 2014) ou ativar a obra com a própria voz, como no karaokê de Runagrupa (RURU, 2010). No entanto, numa era em que a comunicação em rede influencia fortemente a maneira como percebemos e produzimos imagens, a estética das obras em exposição é repetitiva e, com raras exceções, até as que foram produzidas especificamente para a exposição parecem datadas.

*Crítica publicada originalmente na edição #20