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Início do treinamento dos funcionários do hospital Albert Einstein na Galleria Continua em sua sede no Estádio do Pacaembu (Fotos: Divulgação)
Postado em 24/04/2020 - 5:12
Covid-19 ressignifica caráter público da arte
Galleria Continua coloca arte na sala de descompressão do hospital de campanha do Pacaembu, em São Paulo
Paula Alzugaray

Em janeiro, a Galleria Continua começou a trabalhar em São Paulo com o projeto de pensar a arte desde uma perspectiva pública. Originalmente instalada em San Gimignano, na Itália, a galeria internacional foi a primeira novidade da nova gestão privada do Estádio Pacaembu, e converteu a área sob a arquibancada do “tobogã” em um espaço expositivo de alto padrão. Akio Aoki, sócio e diretor da operação no Brasil, convidou a curadora chilena Alexia Tala para conceber um programa inaugural para a galeria, que articulasse os conceitos de arte pública, site specific, functional site e site oriented, pensados para o contexto do estádio de futebol. A ideia era inaugurar em 30 agosto de 2020, no embalo da abertura da 34ª Bienal de São Paulo, ocupando todos os espaços esportivos com instalações realizadas pelo time estelar de artistas representados, entre eles Antony Gormley, Anish Kapoor, Shilpa Gupta, Cildo Meireles, Marcelo Cidade, André Komatsu e Jonathas de Andrade.

Mas 2020 não correspondeu às expectativas da humanidade e os planos da Continua também tiveram que mudar. Com a pandemia da Covid-19 instaurada, a empresa concessionária, que havia assumido o Pacaembu em 25 de janeiro, ofereceu a cessão do estádio para a Prefeitura de São Paulo, que montou no local um hospital de campanha para atender os pacientes diagnosticados com o coronavírus. Em 6/4, quando o hospital recebeu os primeiros pacientes, a Galleria Continua também abriu as portas. Não para colocar em prática o projeto de arte pública que estava desenvolvendo, mas para uma operação de utilidade pública inédita, transformando-se em sala de descompressão para os profissionais de saúde que trabalham na linha de frente do combate ao vírus. 

Filmes de Rivane Neuenschwander, Lia Chaia, Gisela Motta e Leandro Lima, entre outros artistas, são diariamente projetados para as equipes de cerca de 520 médicos e enfermeiros combalidos por altos níveis de estresse, desgaste e medo. Se o poder de erosão de certezas do novo coronavírus atinge a todas as estruturas da sociedade contemporânea, não poderia ser diferente com a arte, e sua função pública. 

Cultura de doação
Um pool de empresas se formou em torno da ação da Continua, ajudando a habilitar a sala com mobiliário (Breton), máquinas de café (Nestlé) e um projetor de alta resolução (Epson). Cadeiras de praia foram instaladas na piscina. “Dois ambientes – piscina e galeria – foram doados por quatro meses para os centros de treinamento e descompressão”, diz Aoki à seLecT

Temporariamente instalada em outro endereço, a Galleria Continua paulistana tem um formato “taylor made”, segundo o diretor, que escolheu 20 artistas, entre os 60 representados pela sede italiana, para trabalhar no Brasil durante os próximos 20 anos. A Continua tem duas galerias na Itália, duas na França, duas na China e uma em Cuba. 

Paralelamente aos negócios do dia a dia em seu viewing room (presencial, com hora agendada, durante a quarentena), Aoki vem desenvolvendo, junto à comunidade de colecionadores local, um projeto de doações de obras para praças e espaços públicos. Segundo ele, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente está interessada em instalar um Ai Weiwei em um parque. “Seja por lei complementar ou doação direta, buscamos doadores para a produção e a instalação das obras, tentando incentivar o lado cívico das empresas”, diz ele. ”Colecionadores já têm obras demais. Vamos dividir?!”, sugere.