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Postado em 22/11/2012 - 3:57
Crime x castigo
Juliana Monachesi

Santiago Sierra denuncia a escravidão do trabalho em instalações e performances contundentes

Santiago Sierra

Anarquistas assistem a missa do galo no vídeo The Anarchists, de 2006

O artista espanhol Santiago Sierra não é hom em de meias palavras. Nem mede esforços para delatar a obs cenidade do mundo do trabalho e do capital. Não se pod e dizer que ele tenha inventado o pro cedimento artístico de con tratar mão de obr a barata para executar tarefas humilhantes. O mundo já funcionava assim quando ele chegou ao universo da arte, nos anos 1990. Mas pode-se dizer que Sierra sistematizou e escancarou o modus operandi do capital em uma sólida (e controversa) trajetória artística que consiste, em poucas palavras, em contratar mão de obra barata para executar tarefas humilhantes.

Quatro prostitutas viciadas em heroína receberam o equivalente a uma dose da droga para terem uma linha contínua tatuada em suas costas (Salamanca, 2000). Seis trabalhadores foram pagos para permanecer durante quatro horas diárias, e por seis semanas, no interior de caixas de papelão (Berlim, 2000). Seis refugiados albaneses foram contratados para mover à mão três cubos de cimento de 100 x 100 cm de um lado a outro do espaço expositivo (Sankt Gallen, Suíça, 2002).

Oito militantes anarquistas receberam 100 euros cada um para ficar de castigo ouvindo a Missa do Galo no Natal (Roma, 2006). Mais recentemente, Sierra tem pago a veteranos de guerra para ficarem de cara para a parede em suas exposições. O artista também organiza performances para serem filmadas: Los Penetrados, filme de 45 minutos em oito atos, foi originalmente encenado em 12 de outubro de 2008, Día de la Raza (Dia da Raça), feriado espanhol em que se comemora a descoberta das Américas por Colombo.

Santiago Sierra 2

Frame do vídeo Los Penetrados, de 2008

O filme mostra um espaço espelhado com dez cobertores geometricamente dispostos no piso, em que todas as combinações possíveis de masculino e feminino, brancos e negros, são experimentadas em uma maratona de sexo anal. Os participantes foram convocados por anúncios de jornal, o que atraiu protestos diante do espaço de filmagem.

Os voluntários receberam pela participação na performance, tiveram seus rostos digitalmente ocultados no vídeo preto e branco sem áudio final e, na opinião de um crítico engajado, protagonizaram uma ação que transformou o sexo anal em ato mecânico e discurso político, tornando-se alegoria para as engrenagens da máquina capitalista.Leia a seguir a entrevista que Sierra concedeu por e-mail a seLecT.

Qual a sua opinião sobre as condições precárias de vida de trabalhadores braçais latino-americanos que vivem de subempregos na Europa? Esse tipo de condição é o principal tema de suas obras como artista?

Sem dúvida, a ditadura reside no trabalho. A pessoa vende seu tempo, sua inteligência, seu corpo e, portanto, sua liberdade aos interesses do empregador. Mas grande parte das pessoas não tem o “privilégio” de trabalhar, são a massa dos zumbis para aterrorizar o trabalhador, se você não trabalhar você vai ser como eles. O Estado, propriedade e sucursal do capital, destrói implacavelmente qualquer tentativa de emancipação do povo, promove comportamentos masoquistas de obediência e reprime a criatividade e a elevação intelectual do ser humano. Ser pobre é viver em um mar de problemas, resolver a vida minuto a minuto é viver pouco e mal. O sistema em que vivemos é sádico e eu vivo aqui, de modo que algo tão intenso não poderia estar ausente da minha vida e, portanto, do meu trabalho como artista.

Quando concebe uma obra potencialmente controversa, como Los Penetrados (2008), como você garante que a obra seja finalizada e exibida?

Controverso é qualquer coisa que não aplauda as virtudes do Estado e o capital, ou qualquer de seus deuses menores. Desse modo, polêmico é algo que desperta o interesse das pessoas, porque aqui parece falar sempre o mesmo, mas com muitos tons de voz. Assim, quando algo não é o pensamento único é controverso. As controvérsias são organizadas pelos meios de comunicação para indicar e tentar intimidar os dissidentes.

Los Encargados, feito em parceria com Jorge Galindo, em agosto de 2012

Qual performance ou ação apresentou os maiores desafios nesse sentido?

Sinceramente, e sem subestimar suas presas, eu não faço minhas peças pensando no que a mídia dirá. Os meios de comunicação têm dono, são propriedade de pessoas específicas, de grupos de poder específicos, a opinião pública não fala por meio deles. Então, eu simplesmente não me importo com o assunto. Você tem como alvo assuntos sociais, étnicos e políticos da sociedade contemporânea, mas nunca tematizou o próprio circuito de arte. 

Qual a sua opinião sobre as condições de trabalho em instituições de arte e galerias?

No mundo da arte conheci pessoas extraordinárias, bons profissionais, amigos inclusive, mas eu acho que um funcionário de banco te diria a mesma coisa. O sistema bancário e a arte estão no mesmo planeta. Um mundo capitalista, do qual a arte é um subconjunto. Eu trabalho com outros artistas constantemente, mas, como diz o ditado, entre ciganos não se leem as mãos.

Entrevista publicada orginalmente na edição 08, outubro de 2012